Uma pausa para um cafezinho! Uma conversa à toa para desbanalizar o dia a dia... Um espaço e um momento solto no ar, preso no olhar inutilmente essencial.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Espelho, espelho meu...

Por Joe Cruz

Olhar-se num espelho e se satisfazer com a própria imagem fielmente reproduzida num objeto, talvez seja uma das poucas virtudes dignas de inveja de nossa época. E não falo aqui da beleza física em si, mas sim da capacidade de satisfazer-se consigo, considerando aquilo que lhe é próprio e que portanto lhe caracteriza.

A beleza física é talvez o privilégio concedido pela natureza de maior impacto na opinião alheia, pois não são necessárias grandes reflexões para atestar sua genuinidade: ou a pessoa é bela ou não é. Claro, existem alguns critérios que validam tal posição perante a sociedade que harmonizam com características de determinada época e local. No entanto, existem outros (e mais importantes) que independem do período histórico e que certamente fogem de intervenções culturais.
A beleza por ela mesma, natural e atemporal tem algo de superior. É instigante observar como a natureza é capaz de tão delicada simetria, cuidadosa com medidas, espessuras, cores...  Qualquer um de nós sabe quando está diante de alguém provido de tal privilégio e reconhece ali o ponto que torna a vida mais fácil, no sentido de que a beleza “abre caminhos”. Aquele que a possui e tem consciência disso, sabe bem como usá-la em benefício próprio e provavelmente não hesitará em fazê-lo se necessário.


Isso seria suficiente para acreditar que possuir verdadeira beleza numa época em que o culto à imagem sugere ser este o nosso principal valor, bastasse para a satisfação pessoal. Acontece que não é assim.
Embora estejamos constantemente à mercê do julgamento alheio e nos esforçamos para atender às expectativas sociais, é diante da própria imagem que mergulhamos no cerne da reflexão sobre o que de fato nos fornece aquilo que é necessário para estar feliz consigo, independente da sociedade e suas exigências. Por isso encarar-se diante o espelho é sempre uma grande experiência da identidade.

A questão, sem dúvidas, passa pela consciência de si, de existir e pertencer a determinado tempo e espaço, de ter relevância para outras pessoas, de ser capaz de modificar, alterar ou adaptar-se a ambientes, de ser capaz de criar.
O espelho nos revela que somos imagem, contudo sabemos e sentimos que a imagem não está isolada em si mesma, está carregada de sentidos e estes se reinventam a cada nova “olhada”.

Assim como é quase impossível que, ao encarar um espelho, resistamos a uma ajeitada no cabelo ou uma acertada nas sobrancelhas, provavelmente assim também seria se houvesse algum objeto capaz de nos revelar as aparências de nossas ações e intensões cotidianas. E da mesma forma que pretendemos disfarçar certas imperfeições em nossa imagem, encontraríamos meio para moldar em nós ações que nos agrada e que, no entanto, não nos são naturais.

Diante dum espelho, não se vê o que realmente é, mas sim o que se pretende ser. E é neste movimento onde é iminente o risco do engano de se acreditar que nos moldamos em prol da perfeição ou do aprimoramento de si (física ou moralmente falando) quando na verdade o fazemos para atender a aparência do que consideramos perfeito.

Por exemplo, uma mulher que tenha a pele muito clara e utiliza uma maquiagem a fim de parecer levemente mais corada e saudável, não está de fato corrigindo algo que a incomoda, mas apenas disfarçando sua insatisfação de forma rápida e fácil. A outra solução seria ela passar algum tempo exposta ao sol, que inclusive lhe concederia, além da cor, uma porção grátis de vitamina D que, entre outros benefícios, ajuda na formação de cálcio, que por sua vez colabora na estrutura dos ossos.
Isto não é, de forma alguma, uma crítica ao uso de maquiagem ou de qualquer outro utensílio de embelezamento, mas sim e, sobretudo uma crítica à intensão nociva de “parecer ser”, sem a necessidade de “ser”.

Desse modo, parecer ser inteligente, saudável, honesto, solidário, competente ou justo, confere àquele que se dispõe a tal esforço, algo que valida em si algumas das qualidades de tais virtudes como se ele as possuísse naturalmente, mas nunca como essência e sim como representação. Neste sentido a dissimulação é a ferramenta usada como uma “maquiagem” para ajustar ou disfarçar esta ou aquela falha moral que não pega bem no âmbito social.



Ora, a vida social já foi descrita por muitos como uma grande peça de teatro onde não somos mais que personagens a encenar papeis concebidos pela própria sociedade a fim de manter a organização do espetáculo e garantir os aplausos ao fechar das cortinas. Porém, ainda assim, mesmo como personagens, há o momento de solidão no camarim, onde não há mais o palco e o que resta é apenas um ator ante um espelho que limpa o rosto e julga sua interpretação. E é neste momento que se sabe ser feliz ou decepcionado consigo mesmo, pois é seu momento íntimo e entende que não pertence a lugar algum que não a própria consciência.

Sentir se bem consigo não é uma questão apenas de imagem. É necessário um “não sei quê” de essência que somente o mínimo conhecimento de si é capaz de fornecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário