Por Joe Cruz
Olhar-se num espelho e se satisfazer
com a própria imagem fielmente reproduzida num objeto, talvez seja uma das poucas
virtudes dignas de inveja de nossa época. E não falo aqui da beleza física em
si, mas sim da capacidade de satisfazer-se consigo, considerando aquilo que lhe
é próprio e que portanto lhe caracteriza.
A beleza física é talvez o
privilégio concedido pela natureza de maior impacto na opinião alheia, pois não
são necessárias grandes reflexões para atestar sua genuinidade: ou a pessoa é
bela ou não é. Claro, existem alguns critérios que validam tal posição perante
a sociedade que harmonizam com características de determinada época e local. No
entanto, existem outros (e mais importantes) que independem do período
histórico e que certamente fogem de intervenções culturais.
A beleza por ela mesma,
natural e atemporal tem algo de superior. É instigante observar como a natureza
é capaz de tão delicada simetria, cuidadosa com medidas, espessuras, cores... Qualquer um de nós sabe quando está diante de
alguém provido de tal privilégio e reconhece ali o ponto que torna a vida mais
fácil, no sentido de que a beleza “abre
caminhos”. Aquele que a possui e tem consciência disso, sabe bem como
usá-la em benefício próprio e provavelmente não hesitará em fazê-lo se
necessário.
Isso seria suficiente para
acreditar que possuir verdadeira beleza numa época em que o culto à imagem
sugere ser este o nosso principal valor, bastasse para a satisfação pessoal. Acontece
que não é assim.
Embora estejamos
constantemente à mercê do julgamento alheio e nos esforçamos para atender às
expectativas sociais, é diante da própria imagem que mergulhamos no cerne da
reflexão sobre o que de fato nos fornece aquilo que é necessário para estar
feliz consigo, independente da sociedade e suas exigências. Por isso encarar-se
diante o espelho é sempre uma grande experiência da identidade.
A questão, sem dúvidas,
passa pela consciência de si, de existir e pertencer a determinado tempo e
espaço, de ter relevância para outras pessoas, de ser capaz de modificar,
alterar ou adaptar-se a ambientes, de ser capaz de criar.
O espelho nos revela que
somos imagem, contudo sabemos e sentimos que a imagem não está isolada em si
mesma, está carregada de sentidos e estes se reinventam a cada nova “olhada”.
Assim como é quase
impossível que, ao encarar um espelho, resistamos a uma ajeitada no cabelo ou
uma acertada nas sobrancelhas, provavelmente assim também seria se houvesse
algum objeto capaz de nos revelar as aparências de nossas ações e intensões
cotidianas. E da mesma forma que pretendemos disfarçar certas imperfeições em
nossa imagem, encontraríamos meio para moldar em nós ações que nos agrada e
que, no entanto, não nos são naturais.
Diante dum espelho, não se
vê o que realmente é, mas sim o que se pretende ser. E é neste movimento onde é
iminente o risco do engano de se acreditar que nos moldamos em prol da
perfeição ou do aprimoramento de si (física ou moralmente falando) quando na
verdade o fazemos para atender a aparência do que consideramos perfeito.
Por exemplo, uma mulher
que tenha a pele muito clara e utiliza uma maquiagem a fim de parecer levemente
mais corada e saudável, não está de fato corrigindo algo que a incomoda, mas
apenas disfarçando sua insatisfação de forma rápida e fácil. A outra solução
seria ela passar algum tempo exposta ao sol, que inclusive lhe concederia, além
da cor, uma porção grátis de vitamina D que, entre outros benefícios, ajuda na
formação de cálcio, que por sua vez colabora na estrutura dos ossos.
Isto não é, de forma
alguma, uma crítica ao uso de maquiagem ou de qualquer outro utensílio de
embelezamento, mas sim e, sobretudo uma crítica à intensão nociva de “parecer ser”, sem a necessidade de “ser”.
Desse modo, parecer ser inteligente, saudável, honesto,
solidário, competente ou justo, confere àquele que se dispõe a tal esforço,
algo que valida em si algumas das qualidades de tais virtudes como se ele as possuísse
naturalmente, mas nunca como essência e sim como representação. Neste sentido a
dissimulação é a ferramenta usada como uma “maquiagem”
para ajustar ou disfarçar esta ou aquela falha moral que não pega bem no âmbito
social.
Ora, a vida social já foi
descrita por muitos como uma grande peça de teatro onde não somos mais que personagens
a encenar papeis concebidos pela própria sociedade a fim de manter a
organização do espetáculo e garantir os aplausos ao fechar das cortinas. Porém,
ainda assim, mesmo como personagens, há o momento de solidão no camarim, onde não
há mais o palco e o que resta é apenas um ator ante um espelho que limpa o
rosto e julga sua interpretação. E é neste momento que se sabe ser feliz ou
decepcionado consigo mesmo, pois é seu momento íntimo e entende que não
pertence a lugar algum que não a própria consciência.
Sentir se bem consigo não
é uma questão apenas de imagem. É necessário um “não sei quê” de essência que
somente o mínimo conhecimento de si é capaz de fornecer.
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