Uma pausa para um cafezinho! Uma conversa à toa para desbanalizar o dia a dia... Um espaço e um momento solto no ar, preso no olhar inutilmente essencial.

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Durante toda a história do pensamento, a filosofia se debruçou insistentemente sobre a intrigante e definitiva questão do autoconhecimento ou “a consciência de si”, como nos habituamos a expressar em dias atuais.

  Sócrates, ampliando as discussões filosóficas de seus antecessores, que se ocupavam prioritariamente com questões relacionadas à natureza, abre caminho para análise da relação do homem com ele mesmo e com o mundo, que neste sentido, passa obrigatoriamente pelo conhecimento de si. Sua filosofia está fundamentada no famoso aforismo grego “Conhece-te a ti mesmo” que fora inscrito no pórtico do templo do Oráculo de Delfos, na antiga Grécia. Mais de dois milênios nos separam das instruções socráticas, contudo, ainda nos matem no cerne da questão que impulsiona a incansável busca pelo verdadeiro conhecimento e pelo reconhecimento das virtudes humanas capazes de alargar as possibilidades ao alcance à sabedoria. 

  Voltado ao indivíduo, o pensamento filosófico, sobretudo a partir das obras de Platão e Aristóteles, se aprofunda na observação das virtudes presentes na natureza humana que o encaminha para o seu principal objetivo, a saber, a felicidade. Assim, o pensamento ocidental estabelece algo como uma doutrina Ética e Moral que seria, em diferentes concepções, praticada até os dias atuais.

   A construção de conceitos alicerçada na doutrina grega constituiu o modelo da cultura ocidental que influenciaria na educação, religião, artes e política e por consequência, na concepção de mundo do próprio indivíduo.
  Hoje, após o desdobramento de diversas áreas do conhecimento que resultou em importantes descobertas sobre o corpo e a mente humana; e mesmo o intenso avanço científico das últimas décadas que, constantemente, oferece pistas sobre o que somos e seremos não foi capaz de garantir que o maior conhecimento sobre nós, aprimorasse nossa relação com os outros e muito menos que o otimismo predominasse em nossas esperanças com relação ao futuro do mundo. 

  No final das contas, a contemporaneidade parece experimentar novas formas de identidade adaptadas às fortes exigências sociais que, do ponto de vista predatório, estabelece um método de sobrevivência que força o aprisionamento da verdadeira identidade do sujeito para dar liberdade à outra, mesmo que esta seja composta apenas por uma máscara.  O mal-estar social foi diagnosticado em 1929 por Sigmund Freud (Mal - Estar na civilização) e retomado por Zigmunty Bauman em 1997 (Mal – Estar da pós-modernidade) onde ambos identificam a doença, no entanto, não apontam um “antídoto”, até porque, ao que parece, este não é mais que uma utopia causada pela ilusão de felicidade plena. 

A ciência e a filosofia ainda discutem a origem da personalidade e não chegamos à certeza do que, efetivamente, pode-se atribuir como sendo traços imutáveis ou instáveis do Ser, visto que, o que denominamos “EU”, é formado por uma bem temperada salada composta por genética, influência da vida em família e sociedade; traços que nos moldam desde a formação da consciência (nos primeiros meses de vida) até a capacidade de nos depararmos com o próprio reflexo defronte ao espelho e afirmar “EU SOU” (geralmente após o processo de individuação descrito por Carl Jung).

Afinal, sendo possível o autoconhecimento na sociedade contemporânea, será que esse esforço humano é capaz de fazer florescer um novo indivíduo, habilitado a agir de maneira leal aos seus princípios, menos corruptor de seus valores, mais seguro contra os percalços cotidianos; poderá o autoconhecimento formar um indivíduo capaz de desfilar por todas as esferas da sociedade, desprovido de máscaras? E mais, isso o faria um real candidato ao trono da Felicidade?

Eis as peças espalhadas. 
Espero que nos tragam bons momentos de reflexão !
Forte abraço a todos  (Joe Cruz)



Por Joe Cruz

Por uma demonstração de amor ou rancor é possível traçar o perfil de uma pessoa. Indo ainda além, julga-se até possível delinear a história da vida de alguém simplesmente através de pequenas ações. Isso, claro, só pode ser feito de maneira superficial e baseada no repertório cultural de quem julga. Cultura, aliás, que faz com que seja simples classificar o sujeito como bom, ruim, controlado, compulsivo, melancólico, feliz. São através de enquadramentos sociais estimulados pela cultura de um povo que são encorajadas definições do tipo “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é” (que na verdade, trata-se de uma sátira bem humorada do compositor baiano Dorival Caymmi, escrita há mais de 60 anos, quando ainda o Brasil fazia uma distinção muito acirrada entre a cultura brasileira e a estrangeira)ou “Filho de peixe, peixinho é” (sugerindo determinadas semelhanças, tanto na fisionomia quanto na personalidade entre pais e filhos).

A questão aqui está voltada à atribuição de identidade a partir de uma visão geral de comportamento que estabelece um padrão onde é encaixado este ou aquele tipo de sujeito reconhecido pelo o olhar do outro, o que é muito diferente do olhar que o sujeito tem dele próprio. No caso, por exemplo, do“Filho de peixe...” o que se tem é a comparação entre dois sujeitos feita por um terceiro que, devido à experiência do contato com ambos, lhes atribui traços semelhantes e com isso, cria o (seu) conceito do traço determinante que define uma identidade, neste caso, a do filho. O olhar do outro aqui, é fundamental para que a influência do pai seja reconhecida também pelo filho. 

Neste sentido, o olhar do outro, que atribui traços e define identidade, parece funcionar como um espelho que pode refletir algo de peculiar no sujeito ainda não reconhecido por ele mesmo. E com isso talvez se possa afirmar que o caminho para o conhecimento de si passa obrigatoriamente pelo outro, que além de refletir, influencia na definição da personalidade. Definição, aliás, que ainda rende muita divergência no mundo científico sobre a fase da vida onde se pode afirmar a conclusão do processo de formação da personalidade. Uns apontam para a infância: até os dez anos de idade o sujeito já tem a personalidade definida, cabendo apenas aí, cultivar os traços que já lhe pertencem, adaptando-os às situações, mas sem espaços para novos; outros arriscam que até os trinta, mais ou menos, a personalidade ainda está em desenvolvimento, indicando com isso que, por exemplo, alguém que tenha sido tímido e retraído até os quinze anos de idade, pode vir a ser uma pessoa extrovertida e comunicativa dependendo do tipo de influências que tiver durantes os quinze anos seguintes.

As bens esclarecidas teorias freudianas atribuem aos pais a enorme responsabilidade da formação da personalidade dos filhos. Isso porque são eles os primeiros modelos humanos da criança e por isso, quem primeiro ensina a controlar desejos, instintos, adaptando-os a padrões morais adequados à sociedade. Isso entre o final do século 19 e a primeira metade do 20, porque no final do século 20 o discurso muda e vai conferir à sociabilização, isto é, a influência externa a maior parcela de culpa para a formação da personalidade. E isso é determinante para o maior conhecimento de si, pois significa, grosso modo, que a educação das ruas (se é que se pode entender assim), é mais significante para a concepção de mundo do indivíduo do que a dos pais, proveniente do lar. O primeiro passo para esta importante desconstrução de conceitos, foi dado pela famosa psicóloga americana Judith Rich Harris, quando publicou o livro “Diga-me com quem andas...” em 1998. 

Bom, apesar de tudo, independente do que nos fez ser o que somos ou seremos, o fato é que emanamos uma imagem e essa por sua vez nos caracteriza para o olhar do outro. Decorrente a isso, o outro nos devolve uma pista que, bem ou mal, altera a forma que enxergamos a nós mesmos justamente por significar nossa participação no meio social. Este meio que por sinal é onde desenvolvemos “facetas” para melhor nos adaptarmos a ele. Criamos novas identidades, mas sempre com a sensação de termos deixado a “real” a nossa espera, para ser usada num momento ideal, menos plástico, mais sincero. O problema é que de tanta espera, pode ser que este nosso “eu verdadeiro” (se é que ele existe), se perca na bagunça das facetas ou se misture a elas dificultando assim, nossa própria identificação. Só nos restando, neste caso, esperar que alguém diga quem somos. 

Uma das discussões que este tema do Café propõe, é a indagação sobre ser ou não possível, em tempos atuais, conhecer a si mesmo como propunha Sócrates. E este texto pretendeu entrar nesta discussão (embora sabendo ser um grão de areia) colocando em questão qual o valor da identidade dentro da sociedade para além dos números impressos no documento anexados à foto 3x4 e para além dos “pitacos”  que damos por aí sobre este ou aquele tipo de gente, dando a impressão de que as identidades estão todas escondidas dos próprio donos esperando um outro para revela-la. Apontando para o fato de que, apesar da nossa capacidade de transformação, existe uma origem na nossa forma de reagir ao mundo e, independente de onde partiu, é o que nos faz ter a sensação de poder tirar a máscara e abaixar a guarda e então ficarmos nus diante o espelho.



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 O segundo tema do Café foi especulações a cerca do Tempo. Contando com as excelentes postagens de Marcos Ribeiro, Vinicius Gonçalves, Joe Cruz e o comentário ardiloso de Emmanoel Lisboa sobre o magnífico poema de Vinicius, pudemos ponderar mais sobre este assunto tão amplo e complexo. Eis:

 O que representa o tempo para a vida humana?
 Nos referimos ao tempo, na maior parte das vezes, através de expressões que lhe atribuem grande valor como: “tempo é dinheiro”, “ganhar tempo”, “não perder tempo”, “haverá um tempo em que...” e muitas outras mais. Essas expressões tem por finalidade adequar a noção de tempo à determinada situação, onde sua influência denote diferentes significados. No caso da expressão “tempo é dinheiro”, por exemplo, a noção de tempo está empregada ao tempo utilizado para obtenção de lucros financeiros e para tanto, só pode estar vinculada ao tempo do trabalho. Por outro lado, a expressão “haverá um tempo em que...” se refere à uma situação ainda desconhecida, somente idealizada, e por tanto o tempo ainda não utilizado, o tempo como promessa. Podemos assim, variar as definições da nossa relação com o tempo, porém sempre em condição de subordinação, fato que evidencia nossa finitude. Essa finitude está atrelada ao fim de tudo o que conhecemos.

Nesse movimento, o tempo para o homem é um percurso (curto ou longo) entre dois polos fundamentais da existência: vida e morte. Dentro desta porção de tempo, a vida humana se organiza de acordo com a ação do tempo na natureza. Apesar desta inexorável condição, o comportamento humano parece querer burlar a ação natural do tempo e cria, em nome desta busca, certas utopias a serem discutidas neste atual tema do Café Gelado. 


Vinícius Gonçalves é Poeta e Professor de Língua portuguesa em Guarulhos.
É discente de Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Seus poemas são encontrados no Blog "O pôr-do-ser" http://www.maromomi.blogspot.com/

 
O tempo como estrutura é uma casa cujos alicerces foram calcados na areia. Palavras como esvaecer ou desvanecer sempre nos ocorrem quando tratamos de lidar com o tempo. Tempo que atrai, se vivemos apenas para cumprirmos funções por ele dimensionadas; tempo que nos trai quando se esgota antes do cálculo e da previsão, durante nossos instantes de sossego, paz e lazer. Lidar com o tempo é lidar com sistemas que o pontuam, que o apontam como definidor de eficiência ou ineficiência. Em função deste tempo, vivemos a Escola, a Sala de Aula e o convívio com os alunos, lamentando ou agradecendo o fato de um dia ser composto por vinte e quatro horas.
 Amarrados à pontualidade, temos alunos preparados para o mundo do trabalho; temos professores e gestores atrelados aos compromissos assumidos: essa é a impressão que permanece. Entretanto, como nada é para sempre, essa impressão desaparece, pois pode ser a primeira mas não é a única que fica; não fica...
 Em algum momento da história humana, deu-se a necessidade de explicitar o tempo: dar um nome ao tempo e do tempo tomar posse. Seguiu-se que, orientados pela intuição e pelo organismo (biologicamente regulado, relógio interior em harmonia e em sincronia com a natureza), passamos a marcar as horas, de uma forma ou de outra: da posição do sol ao pêndulo mais sofisticado.
 Hoje barramos a passagem do aluno atrasado ou descontamos do salário do professor seu tempo perdido, sua ausência injustificada. O tempo, dentro da Escola e da Sala de Aula, torna-se novamente um deus no qual depositamos toda nossa confiança, confiantes também de que "Deus ajuda quem cedo madruga".
 "Dar tempo ao tempo" também é outro dos chavões e lugares comuns (dos muitos que aqui utilizamos) para registramos que a preocupação com o tempo é uma constante sempre que o homem aceite percebê-lo. Contudo, deixa de ser uma constante quando nos permitimos compreender que é no ritmo sem lógica do cotidiano que o tempo se faz, que a rotina escolar se sustenta.
 Preparar uma criança ou um jovem para o mundo de trabalho não significa transformar a escola em um quartel general; não significa sincronizarmos nossos ponteiros com o Big Ben inglês ou alinhavarmos nosso tempo com a hipótese ou tese do Big Bang.
 O tempo não é um lugar comum. Vivemos em um mundo que deve muito ao ócio criativo, ao cairós dos primeiros filósofos; e em um mundo onde inicia-se uma luta pela diminuição da jornada de trabalho; em um mundo onde cobra-se do poder público a Escola de período integral, torna-se anacrônico observarmos somente o horário de Brasília.

  Não proponho aqui que "desinventemos" o relógio, mas devemos iniciar nossos estudos para espaçá-lo de modo que cada aluno, com seu direito garantido ao estudo, não se sinta atrasado ou adiantado demais neste percurso que, em seu final, nos reserva de antemão a solidão de quem se realiza quando atinge a maturidade. Relógios, bússolas e ampulhetas podem garantir êxito no mercado de trabalho, mas não matura o herói e o eremita que dentro de nós conduzimos ("Preciso aprender a ser só", "preciso aprender a só ser", como nos lembra Gilberto Gil).
 Tempo não é dinheiro. Não é moeda corrente. Não lega (ou não deveria legar) bônus ou ônus às futuras gerações ou aos educandos com os quais convivemos ou, como diriam alguns, "suportamos". Precisamos revisitá-lo, o tempo, sem sairmos de dentro dele. Ao revisitá-lo, precisamos reinventá-lo, redescobrindo-o. Pela nossa sociedade. Pelo bem dos nossos educandos, aqueles que ainda somos ou gostaríamos de ter sido. Se o tempo não é a nossa musa ou Narciso, também não deveria ser contrário aos nossos desejos e interesses, essa Nêmesis actual tal qual o Tempo.
Marcos Ribeiro é formado em Artes pela Unifig.
Atualmente é professor de Artes em São Paulo.
É autor do livro Ateísmo Filosófico & Ateísmo Artístico
que pode ser adquirido pelo site



Tempo é criança jogando, brincando, reinado de criança”Heráclito de Éfeso (fragmento 52 in “Os pré-socráticos”, Coleção Os Pensadores)

O tempo absoluto teorizado por Newton que diz que somos capazes de medi-lo com exatidão visto de qualquer evento, foi questionado por Einstein quando expôs que ao acontecer um evento em que varias pessoas façam um relato, alguns verão o acontecimento simultâneo, outros separado. Grosso modo, o tempo é relativo: “Converse com uma linda garota e uma hora parecerá um segundo, sente-se numa brasa viva e um segundo parecerá uma hora.”

Deleuze, em suas reflexões sobre Bergson, expõe o tempo de maneira diferente ao que é conhecida pelo senso-comum quando diz: “vivo o presente”. Na idéia bergsoniana, o presente é somente o grau mais contraído do passado, assim, quando percebemos o presente, já está no passado, portanto, não existe presente, o passado não se constitui depois de ter sido presente, ele coexiste consigo como presente.

Podemos então viver o presente coexistindo com o passado, porém, com a expectativa no futuro inexistente, nesta questão “haverá um tempo em que...”, uma espécie de anestésico chamado esperança, mas numa visão pessimista o futuro é a morte e que para ganhar tempo de lucidez, o crente crê que na pior das hipóteses haverá um além- vida, assim um tempo eterno.
Numa perspectiva heraclitiana, o tempo atua como uma criança com uma relação amoral com o ser humano, nem certo nem errado, apenas com sua relação com o devir. O fato das pessoas preocuparem-se com o tempo para se livrar das contradições, das preocupações, das ansiedades, dos remorsos, trava uma batalha com o absurdo, sendo que o próprio tempo traz a renovação da existência, negar o devir é abrir as portas para as frustrações para depois refugiarem-se em drogas, tais como o álcool, as religiões ou as novelas; drogas conhecidas como distração para negar o tempo.
Voltando a idéia de Einstein, que existem várias maneiras de perceber o tempo, que depende do observador, façamo-nos então nós mesmos outros observadores da nossa existência; voltemos à Grécia, ao tempo dos renascentistas, dos românticos. Por que o tempo em que vivemos deve ser o realismo? O tempo criado pelo capitalismo que escraviza ao invadir o inconsciente para nos dizer que “tempo é dinheiro”?

Com a invasão das máquinas, o ser humano se tornou uma máquina de consumir bens, de consumir milagres, moda, informações; os valores espirituais foram postos em uma ilha em que somente os loucos se põem a buscar, a filosofia e a arte, ninguém quer perder tempo com o inútil, com o sagrado que não traz riquezas matérias, utilitárias. Todos querem o tesouro chamado verdade. Se o pensador quer o tesouro, é coisa secundária, é uma mentira criada por ele mesmo, ele quer o mapa que nunca o leve a encontrar o tesouro, pois as paisagens do percurso são dignas de perder tempo.

Imagem: "Viajante observa um mar de bruma", Caspar David Friedrich

Joe Cruz é estudande de Música
do Conservatório Municipal de Artes
                                                                      de Guarulhos


Tente imaginar-se contemplativo num lugar onde a paisagem, em todas as suas dimensões, seja feita inteiramente por imagens compostas pelas caprichosas formas da natureza. Você as observa do alto, pode ser do pico de uma montanha isolada da cordilheira; o horizonte que teus olhos alcança, é uma linha que apenas determina um limite físico e não lhe instiga conhecer além. Todos os movimentos são lentos, se olhar para cima verá somente nuvens leves seguir o sentido do vento e, por vezes, o voo suave de pássaros; abaixo, animais se alimentam nas planícies e descansam à sombras de grandes árvores. O que lhe acusa o tempo é somente a posição do sol.

 
Imaginar um lugar como este, nos faz pensar em paz, e a paz, por sua vez, nos inspira calma, que está intimamente ligada à nossa relação com o tempo.
A pura contemplação, para a grande maioria dos indivíduos devidamente incluídos no atual meio social, remete a um certo desconforto, quase inconsciente, causado pelo ritmo acelerado em busca de algo sem definição clara. Este desconforto é a sensação da perda de tempo. A ideia do desperdício de tempo, arrebata a visível insatisfação do homem com seu próprio tempo, ou seja, quanto mais se pretende maior aproveitamento do tempo, maior é a angústia de senti-lo deslizar entre os dedos, pois a constatação de que não se pode, absolutamente, ter domínio do próprio tempo, e que de certa forma, ele é totalmente indiferente às vontades humanas, torna- nos impotentes. Na impossibilidade de combatê-lo, cria-se uma tentativa de persuadi-lo, como se este fosse alguém passivo à persuasão. Porém o resultado é sempre a inflexibilidade do tempo que não se permite doutrinar e reafirma sua indiferença fazendo de cada dia do homem, uma incensante corrida, onde a linha de chegada é sempre um horizonte a conquistar. O horizonte, neste entendimento, é a representação do futuro. E é justamente o futuro, por ser a esperança do tempo possível, o objeto de tanta imaginação que inspira a vida e a coloca no eixo entre o que foi e o que será, estabelecendo assim, o tempo presente apenas como o instante que permite o deslocamento para o horizonte almejado. 


Ora, se pensarmos a vida como um constante porvir, naturalmente o tempo há de ser um inimigo da própria vida pois, quando enfim o futuro chegar, será então presente e por conseguinte apenas mais um momento para esperar novamente o futuro, até que a corrida cesse. Não é à toa que durante toda a idade média ocidental, diante da angústia da morte prematura, causada pelas pragas e guerras, diante do árduo trabalho a baixo custo, vendeu-se a ideia de um “além do tempo”, onde, finalmente, seria possível gozar de um presente maravilhoso e eterno sem a tirania do tempo; sem que este determinasse a duração dos prazeres da vida. Mas o privilégio da ausência do tempo não é possível onde existem os mortais, e sim, somente, onde está o Criador de todas as coisas inclusive do tempo. O filósofo Santo Agostinho, em sua análise do tempo no livro Confissões, elucida essa ideia quando escreve: “Os Vossos anos não vão e vêm. Porém os nossos vão e vêm, para que todos venham” (...)“Os Vossos anos são como um só dia, e Vosso dia não se repete de modo que possa chamar-se cotidiano, mas é um perpétuo “hoje” porque este Vosso “hoje” não se afasta do “amanhã”, nem sucede ao “ontem”. O Vosso “hoje” é a eternidade.”
  Para o tempo religioso medieval, somente é possível acessar a eternidade por meio de uma rigorosa doutrina que consiste, basicamente, em abster-se dos prazeres profanos para dedicar a vida às exigências da fé Divina. 
Talvez atualmente, compreendemos de forma mais clara que negar o próprio tempo em prol de um futuro compensador “além do tempo”, equivale a negar a vida. Pois entende-se que a vida acontece agora. E só é possível afirmar “o agora” através do tempo, isto é, o tempo é o motor da vida; ou como disse Renato Russo na música La nuova Guventú - “O tempo é tudo o que somos” . No entanto, esse melhor entendimento não garante melhor relacionamento com o tempo e, se na idade média a Igreja controlava o tempo da vida humana, hoje, após a revolução industrial, o trabalho corresponde ao mesmo papel, o que evidencia mais uma vez a falta de autonomia do homem com o tempo de sua vida. 
No livro “A Política” de Aristóteles, o filósofo afirma com razão que “Se o trabalho e o repouso são ambos necessários, o repouso, é sem dúvida, preferível ao trabalho, e geralmente é preciso procurar o que se deve fazer para aproveitá-lo". Embora seja este um preceito incontestável da natureza humana, a proposta feita pelo sistema capitalista a partir do final do séc. XIX, acabou por forçar a inversão deste conceito, fazendo com que o tempo dedicado ao trabalho fosse, de fato, símbolo do bom aproveitamento da vida. Não raro, julga-se o valor da vida de um indivíduo, medindo o acúmulo de bens conquistado por sua dedicação ao trabalho durante seus anos de atividade.
Não se pode negar que é já na infância que o homem moderno é posto em posição de arranque para a largada da corrida para o futuro. Todo o esforço para a educação das crianças é voltado para as atividades que serão úteis à sociedade e ao Estado de modo geral. Isso talvez explique o fato de as Escolas considerarem o sério ensino das Artes uma grande perda de tempoPois as Artes compreendem mais os aspectos do repouso que os do trabalho e seus interesses são direcionados aos lazeres. Além do que, os estudos das Artes objetiva o próprio indivíduo, enquanto que os estudos dos trabalhos úteis tem por fim os outros.

Assim, só é possível a contemplação proposta no início deste texto, para sujeitos que, de alguma forma, não participam da corrida - ou por já terem saído dela ou por se negarem a correr - e se puseram a contemplar a tudo, inclusive as pessoas que correm. E neste caso, são homens livres, privilegiados. No entanto, pelo bem da sociedade, este prazer não é e nem deveria ser concedido a todos, pois como diz Aristóteles no livro já aqui mencionado: É verdade que esse prazer não é o mesmo para todos; cada qual dispõe a seu modo e segundo o seu caráter. O homem perfeito concede a felicidade perfeita compondo-as das virtudes puras”.
O poeta Vinícius Gonçalves de Andrade nasceu em Guarulhos, no ano de 1982, onde reside. É professor de Língua Portuguesa e discente de Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mantém o weblog "O pôr-do-ser" localizado no endereço http://www.maromomi.blogspot.com/

Cronometrar o tempo,
sodomizar o cronômetro
com centímetros e quilômetros
da mais pura altivez

“Agora é a minha vez”,
diz o cronômetro e você responde:
“Te enganei” e corre
e corre e corre
contra o tempo.

Domesticar o tempo
é improvisar coleira com
todas as suas pulseiras e
todos os seus ponteiros.

Domesticar o tempo
é apelidá-lo: bichano
e entupi-lo de leite. Seu
leite é o satélite

que goza e prevê
do tempo o seu
destino: o seu
tempo. 
Comentário sobre o poema "Tempo" de Vinicius Gonçalves de Andrade.
Por Emmanuel Lisboa

Emmanuel Lisboa é filósofo e contista; professor das Faculdades Integradas de Saúde, Ciências Humanas e Educação de Guarulhos e da escola Anglo. Mestre e doutorando pela Usp. Atua em Guarulhos como agente (ou agitador) cultural, promovendo saraus, debates e palestras, auxiliando diretores em peças de teatro e dança contemporânea.
Alguns de seus trabalhos podem ser lidos no blog http://www.teratopoesia.blogspot.com/.
Disse um filósofo, contemporâneo, que ainda não é importante e possivelmente nem será: “O problema do nosso tempo é a falta de tempo”. Lembro dessa conversa que tive com um amigo durante um almoço e leio o poema de Vinícius Gonçalves de Andrade, com isso me pego pensando: É incrível essa capacidade de homens diferentes, em locais diferentes e que nem mesmo nunca se viram em pensar uma coisa, um sentimento singular que se divide e atinge nossas almas de tal modo. Jung diria que trata-se de Sincronicidade, um Teólogo diria que é o sinal dos tempos, outros buscariam uma interpretação possível e racional. Eu prefiro notar nisso, um desespero que nesse período de indigência implora por tempo, ou por pelo menos, um enfrentamento do tempo. Lutar uma vã e quixotesca batalha, em que só nos sobrará correr quando encararmos o cronômetro.
Mesmo que o sodomizemos, seremos infelizes na empreita, pois é ele, o cronômetro, um filho de Chronos e desse mau pai, herdou o masoquismo de se estourar e voltar com nomes vários.
Vinícius tenta uma solução, mas como tratamos, aqui do maior poeta surrealista (sic: não conte isso a ele) desse tempo, não podemos aceitar sua solução, e a razão é simples, explico-a no parágrafo seguinte:
Ao domesticarmos o tempo, faremos dele um possível pet , é isso mesmo, bichinho de estimação de madame fútil, gostosa e mal-amada; ao transmutar o tempo em um pet ele será um daqueles que dominam, mandam, sujam e até mesmo dormem na sua cama. E então a ilusão piorará, porque agora nem mesmo dormiremos, com o tempo ao nosso lado e preocupados com o bem-estar do tempo.
Mas ao alimentá-lo teremos trabalho, e assim nos faltará tempo. Penso com o poema do Vinícius que o tempo é o ser mais autodestrutivo, psicótico e suicida de todos tempos, pois o tempo concentra seu tempo, em destruir-se como tempo. Ufa! Vou indo, pois estou sem tempo.
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Nosso primeiro “quebra-cabeças” foi desmontado justamente pensando na vida “virtual”.
Ora, o Café Gelado Blog surge pela dificuldade de reunir pessoas em espaço “real”. Nada mais oportuno e conveniente para darmos o click no start dessa reflexão. É inegável as vantagens e facilidades oferecidas pela internet e suas ferramentas extremamente eficientes e em constante evolução. As transações das empresas gigantes à frente desta evolução, giram sempre em torno de
bilhões de dólares, evidenciando a necessidade ou até a dependência de produtos e serviços tidos como indispensáveis à vida moderna. Com o surgimento da internet, a humanidade experimentou novas possibilidades e impensáveis sensações que incitaram, dentre outras, a noção de tempo e espaço. De lá pra cá, passamos a alimentar o que acostumou-se chamar de vida virtual e esta passou a ser a vida normal. Mas quais foram, são ou serão os efeitos desse, tão decisivo, passo da humanidade? É possível afirmar que nos relacionamos mais e melhor com outras pessoas por conta da internet? Ou até, a velocidade de informações e o fácil acesso à diferentes culturas e valores, garantiram mais qualidade à geração pós internet?
Seja para o simples entretenimento, diversão, relacionamentos ou até mesmo serviços de utilidade, a internet apresenta-se por vezes como um mundo à parte, algo intangível que aguça nossa percepção de realidade.

Vivemos hoje a
“Virtualidade real” ou a “Realidade virtual”? Terá diferença entre essas expressões?


(Isto não é um cachimbo)
Por Joe Cruz e Priscila Perrut


Priscila Perrut é graduada em Artes
 pela Universidade de Guarulhos (Ung)
                                                                                Atualmente é professora mediadora em Guarulhos - SP
(abordagem da imagem e imaginário como categorias virtuais)

Talvez na primeira metade dos anos noventa, quando ainda o uso de computadores se restringia, basicamente, à empresas e à sérias pesquisas praticadas por profissionais em instituições devidamente equipadas, as discussões sobre a interferência virtual no cotidiano humano fossem mais limitadas e restritas a seletos grupos diretamente envolvidos no assunto. Isso, não porque a definição de “virtual” fosse menos complexa que a de hoje, mas pelo fato de a palavra ter sido fortemente relacionada às atividades em computador, limitando-a assim, a ralas concepções. Hoje e cada vez mais, se faz necessário, devido a contínua expansão dos atributos tecnológicos presentes no dia a dia das pessoas, maior abrangência e certa lapidação do termo.

Não é objetivo deste texto, especular definições exatas sobre a “virtualidade”, mas sim promover a reflexão a cerca da forma como enquadramos seus possíveis significados e com isso trilhar o estreito caminho que estabelece o cotidiano moderno em “realidade virtual ou virtualidade real”, como sugere este fórum. Porém para isso é preciso expor algumas das mais comuns definições para a palavra virtual que são: aquilo que não é tangível; aquilo que não é físico; o que é somente conceitual. A partir dessas definições, é possível formular variadas expressões bastando apenas que se encaixe no final a palavra virtual, como: amigo virtual; sexo virtual, crime virtual etc. Mas isso não é atributo exclusivo da contemporaneidade. Já nos anos 50, a estudiosa da filosofia das artes Susanne Langer* falava em “mundos virtuais” atribuindo essa expressão ao fenômeno da representação humana expressada através das artes plásticas, ou seja, ao pintar ou contemplar um quadro figurativo, criamos um mundo à parte do que lhe deu origem.
No linear desta acepção, é conveniente mencionar a famosa obra do artista surrealista belga René Magritte*, “A traição das imagens” (1928-29), onde é exposto de forma clara um cachimbo, porém acompanhado da legenda: isto não é um cachimbo.("Ceci n'est pas une pipe"). A provocação oferecida pelo artista se fundamenta em, a primeira vista, não duvidarmos de que a imagem se trata inevitavelmente de um cachimbo. Mas após a reflexão causada pela provocação, tornamo-nos conscientes de que na verdade estamos ante a representação pictórica de um cachimbo. Esta conclusão não desabilita totalmente a primeira, ou seja, o que vemos é um cachimbo, porém não em seu estado real. E com isso mais uma vez estamos defronte com a nossa virtualidade real.

Agora, diante dessa curiosa abordagem de Magritte com relação à compreensão objetiva da imagem, é importante que se traga a reflexão da relação humana com a imagem que, diga-se de passagem, é pré-histórica.
É sabido que os primeiros homens criavam imagens em cavernas ou em superfícies rochosas como forma de registro, comunicação e até como expressão artística (sendo esta última ainda discutida por estudiosos), a chamada arte rupestre. Se desde então o homem já necessitava de tais representações e as obtinha por meio da expressão de imagens; e outrora, nas artes, a imagem figurativa já fora entendida como “mundo virtual”, é possível dizer que a relação do homem com a virtualidade é tão antiga quanto sua própria história. Indo mais além, não seria exagero dizer que naquele período, antecedente à escrita, a evolução das comunicações facilitadas pelas imagens tenha sido então um fio importante para o tecer das primeiras redes de comunicação.
O surgimento da escrita, fomenta todo o processo da capacidade representativa e inventiva do ser humano, escancarando as janelas para os horizontes sem limites da imaginação.

Consequentemente a capacidade de reprodução de imagens analisadas e compreendidas pelo intelecto, resulta nas formas variadas de criação humana. O imaginário, neste entendimento, trata-se da faculdade cognitiva fundamental no que se refere ao desenvolvimento de crendices e com isso denota sua importância para o estudo da consciência humana no decorrer de toda sua história, tendo na imagem seu fundamento e na imaginação seu principal condutor.

O filósofo e antropólogo francês Gilbert Durand* define o imaginário como “o conjunto das imagens e das relações de imagens que constituem o capital pensante do homo sapiens”, fazendo do imaginário peça fundamental para todo o método de pensamento humano.
A simples observação das diferentes culturas e crenças de determinado período histórico, pode nos oferecer informações suficientes a respeito do forte impacto do imaginário para a humanidade, por exemplo as figuras divinas egípcias ou os mitos gregos. Não é a toa que se atribui a exemplos como estes, referindo-se ao contexto históricos dos povos, as expressões: o imaginário egípcio, o imaginário grego.
Nestes dois exemplos e em tantos outros, o imaginário ganha forma física, passa de fantástico a natural através da crença e figura com máxima representatividade, interferindo bruscamente na compreensão de mundo.
Neste sentido, se faz necessário salientar que existe risco real em curso, pois o imaginário não necessita obrigatoriamente estar fundamentado na realidade, sendo assim desprovido da razão. Porém pode agir no real e ter consequências sobre ele de maneira determinante. É o que acontece por exemplo nas religiões.

Ora, em tempos atuais, é comum ouvir falar em amigos virtuais que se conhecem apenas pela tela de um computador e nunca atravessaram a ponte que liga o imaginário e o real. No entanto, isso não nega a existência do contato entre eles mas o limita apenas em conceito e não em ação. E assim se dá em muitos outro exemplos que definem nossa época como a era virtual.
Dessa forma, reforça-se o conceito de virtualidade real.

A este exemplo, Magritte certamente diria: Isto não é um encontro!

  1. - Susanne Langer (Nova Yorque 1895 -1985) foi uma grande especialista em filosofia da arte. Sua publicação mais conhecida em português é Filosofia em Nova Chave, seus principais escritos enfocam o papel da arte no conhecimento humano.
  2. - René François Ghislain Magritte (Lessines 1898-1967) foi um dos principais artistas surrealistas belgas, ao lado de Paulo Delvaux. Pintor de imagens insólitas, às quais deu tratamento rigorosamente realista, utilizou-se de processos ilusionistas, sempre à procura do contraste entre o tratamento realista dos objetos e a atmosfera irreal dos conjuntos.
  3. - Gilbert Durand (Chambéry 1921) Recebeu forte influência de mestres como: Bachelard, Jung, Lévi-Strauss, entre outros. Graduou-se em Filosofia (1947). Ficou conhecido por seus trabalhos sobre o imaginário e mitos.
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Por Marcos Ribeiro
formado em Artes pela Unifig.
Atualmente é professor de Artes em São Paulo.


Umberto Eco * disse certa vez que leu sobre um episódio que ele considerou impertinente em meio a avalanche de artigos sobre o comportamento agressivo nas escolas (bullying), que dizia que um estudante teria perguntado ao professor: “Desculpe, mas na época da internet, o senhor para que serve?”.
Diante desta meia verdade, com a massificação da informação por meio da popularização da internet, vivemos hoje, como propõe o fórum, a “Virtualidade real” ou a Realidade virtual?Creio que os dois termos, antes de tudo, podem ser pensados com o que Jean Baudrillard,* chamou de simulacro. Segundo o pensador francês, existem os simulacros naturais, naturalistas, baseados na imagem, na imitação e no fingimento, harmonioso, otimistas, e que visam a restituição ou a instituição ideal de uma natureza; e os simulacros de simulação, baseados na informação, no modelo, onde a operacionalidade é total, viabilizando a hiper-realidade. Já em 1970, na sua obra, A Sociedade de Consumo, ele resumia a sociedade da seguinte forma: ”Nessa sociedade não se consomem objetos, mas as ideias dos objetos”. Com isso podemos dizer que o mundo virtual ou a virtualidade real, apenas nos mostra uma “realidade” em que o internauta despreparado ao estar exposto com as vantagens do mundo virtual, se relaciona consigo mesmo e vive na ilusão de que faz isso livremente, sempre na busca do ideal da ideia.
Vale ressaltar ainda que a classe dominante utiliza-se deste meio para passar ao senso comum o conhecimento ilusório como instrumento de dominação, que manipulam a maneira de pensar dos indivíduos por meios ideológicos, criando um narcisismo dirigido, orquestrado por fora.
Desta maneira, entendo a virtualidade real como sendo criada de fora pra dentro, tornando o sujeito passivo a uma falsa realidade; e a realidade virtual, como um simulacro de mundo em que ele ativamente cria uma segunda vida para uma fuga da realidade humana.
Com essa relação de falso e verdadeiro virtual, inegavelmente real, cabe àquele que pensa colocar na parede a sedução deste mundo, tornar visível, erigir evidências, sempre no exercício do livre- pensamento. E voltando a Umberto Eco, ele reflete sobre a importância do professor: que as informações que a internet coloca à disposição do aluno são mais amplas e não raro mais aprofundadas que aquelas que o professor dispõe, mas que o aluno descuidava de um ponto importante, que a internet lhe diz “ quase tudo", exceto como procurar, filtrar, selecionar, aceitar ou recusar aquelas informações.

Marcos Ribeiro

(1) - Umberto Eco (Alexandria,5 de janeiro de 1932) é um escritor, filósofo, e bibliófilo italiano de fama internacional. Eco é, ainda, notório escritor de romances, entre os quais O nome da rosa e O pêndulo de Foucault.
(2) - Jean Baudrillard (Reims, 27 de julho de 1929 — Paris, 6 de março de 2007) foi sociólogo, poeta e fotógrafo, este personagem polêmico desenvolve uma série de teorias que remetem ao estudo dos impactos da comunicação e das mídias na sociedade e na cultura contemporâneas. Partindo do princípio de uma realidade construída (hiper-realidade), o autor discute a estrutura do processo em que a cultura de massa produz esta realidade virtual.
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Por Joe Cruz

Sopro do vento que agita poeira do tempo no silêncio... Poeira vinda das estrelas, emerge da terra e abre os olhos num sopro de vida vindo do infinito. Reflete, no espelho inquebrável do tempo, a imagem trazida pelos ventos e dela faz-se o contorno de uma sombra que, lenta, move-se e logo dança... Desperta com poeira nos olhos. Lança o corpo que pesa e anda... anda a passos largos e pesa contra o chão ajoelhado ante o vasto que o sopro fez compreender. Pesa... surge e existe como tudo que agora entende; e toca com a ponta da língua e do dedo, assegurando-se da realidade... Real idade.
Idade é o tempo da existência.
Existe o que é, mesmo sem a necessidade de ser ou do ser.
Vive o homem na complexidade da realidade de sua virtualidade;
Existe ele, debruçado sobre a incógnita da própria idade.
Sendo o que é, só poderia ser humano.
Perambula deslocado pelo mundo, alterando o meio de todo canto,
Locando pedaços de mundo pelos fundos, por cima dos muros;
Murando linhas imaginárias fazendo cidades.
Cambaleia desnorteado pelo sul do pensamento, cobrindo o descoberto,
Enclausurado no escuro do porão do criado mundo.
Aponta para os céus...
Virtude humana é a resistência... re-existe nos céus onde nunca des-existe.
Virtual é conceito de existência.
Conceito não é sem a necessidade de ser,
Se faz compreender tão somente pelas frestas da mente.
Mente o homem, quando por ausência de razão.
Sofre ele, debruçado sobre o peso de sua racionalidade.
Tropeça apreçado, tateando com seus sentidos o mundo,
Guiado como cego, farejando pegadas na terra.
Aponta para si...
Os sentidos dão-lhe representação e sentido;
Sentido é, além de dor, direção.
Acalma-se no sonho do sono que dorme, dança com sombras imperfeitas e deita sobre a vida que pisa... Tão leve... Flutua sobre os seres todos. Do voo, repousa a inteligência e rola também no ar, moldando nuvens, recriando imagens. Flutua... Flutua e busca, busca na inconstância do tempo no sonho o motivo perfeito de ser. Busca no sonho a imagem que criou de si mas desmancha-se com o vento pois imaginou-se além do que de fato é.
Virtualmente...
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Comentários:

André Cardoso : Este tema [internet] embora seja atual, suscita discuções e visões antigas, no sentido de ter que vasculhar o baú da história do conhecimento numa intenção esperançosa, por que não, de encontrar uma origem ou um caminho que indique a direção na luz do fenômeno.

* O que vislumbro como interessante de se observar – com a internet – é a “desnecessidade” da erudição no campo do saber. Não é mais preciso decorar datas, precursores ou acontecimentos, uma vez que, dispondo de um pen drive podemos guardar todas essas informações.

* Penso que a indagação do aluno “Desculpe, mas na época da internet, o senhor para que serve?”, soa mais como uma “crítica” ao nosso sistema educacional, que impede o professor de autonomia em sala de aula, tornando-o passivo em relação ao que se deve ensinar. Num sistema onde tudo é “peça” – parte do funcionamento da máquina – , busca-se a peça mais maleável possível. E esta é a internet.
Se existe um desafio para o professor é o de fazer com que os alunos procurem o conhecimento, que se sintam instigados a procurá-lo. A realidade virtual é segura, ultrapassa os horizontes, quebra as fronteiras e oferece um mundo de possibilidades de conhecimento. Mas nada substitui a relação humana, o aprendizado vivo, o diálogo da dúvida vinda do contato entre as mentes e comportamentos. O calor dos gestos, a indicação dos olhares.
É,o mundo está descartando de vez o erudito; de vez, pois, já sofrera alguns ataques como nas palavras de Michel Serres: “ É por que no Renascimento perdeu-se a memória da erudição, que inventaram as ciências experimentais. Porque, ao invés de copiar as ciências em livros, olhava-se apenas a realidade das coisas”.
Abraço Marcos e ao idealizador deste espaço.

Acce Ars: Lembro que Deleuze diz no seu abecedário, que ele não tem cultura, porque tudo que lê, só usa quando precisa, depois descarta. Claro que é mentira porque a todo o momento está citando Jean Cocteau, Spinoza entre outros pensadores. Isso que ele diz, acerca da cultura, creio, é neste sentido mesmo do erudito já atacado por Schopenhauer, daquele que aprende e pensa igual ao que aprendeu. A meu ver, não devemos pensar igual a ninguém, mas sim, junto com os pensadores. É nisso que peca o conhecimento orquestrado da internet, ela faz as pessoas pensarem iguais ao que é ensinado.

André Cardos: Sim; Deleuze era um brincalhão!
O pecado maior da internet é ela ainda não ser grátis. Que veiculo incrível.
Ja é nossa tendencia, que erdamos do pensamento socrático-platonico-aristotélico, querer seperar qualidades e malefícios, separar gêneros. Estamos vivenciando a continuidade da revolução tecnológica que se iniciou com a necessidade de se manter vivo. A sociologia do conhecimento tem algo a nos dizer. Ela constata que a maneira pala qual pensamos é condicionada pela textura social de nossas vidas.

Café Gelado: Usando o que foi dito pelo Marcos sobre a crítica de Schopenhauer à erudição, é conveniente dizer também que o mesmo filósofo elucida muito bem que uma grande biblioteca desordenada não tem o mesmo valor útil de uma bem menor porém bem organizada. Com isso, pode-se dizer que o acúmulo de conhecimento proveniente exclusivamente de leituras (desnecessário em tempos de internet, como bem colocou o André, Seja-bem vindo ao Café!), não substitui em nem um aspecto o pensamento próprio proveniente de reflexões. A internet figura como uma gigantesca biblioteca totalmente bagunçada, exigindo de seus “leitores” cuidadosa organização baseada em seus interesses objetivos ou subjetivos e dessa forma reconhecendo as ideias e ideais que lhe competem para a formulação de seu conhecimento, pois como bem disse Mário Quintana: "Qualquer ideia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua. O autor nada mais fez que vestir a verdade que dentro em ti se achava inteiramente nua..."