Por Joe Cruz
Encontrar meios de tornar
a vida mais fácil, prática e segura, provavelmente tem sido o grande motivo para
o desenvolvimento técnico da humanidade desde seu surgimento. Essa constante
busca por melhores condições de vida nos trouxe até aqui, tornando possível a
superação dos muitos obstáculos impostos pela natureza.
Não há dúvidas de que os
avanços técnicos na antiguidade garantiram ao homem um “lugar ao sol” no planeta, sobretudo através do aprimoramento de
ferramentas inventadas a partir da madeira, da pedra e depois dos metais.
Por meio dessas invenções,
conquistamos a praticidade para lidar com um mundo hostil e perigoso. Vencemos
dificuldades para preparar o terreno para o surgimento do que chamaríamos mais
tarde de civilização.
Adiante no tempo, as
necessidades humanas se modificaram e não só a luta pela sobrevivência ocupou o
raciocínio e ação do homem, mas também a busca por sentido fez com que
desenvolvêssemos meios para compreender melhor o mundo. Mais uma vez nos
superamos no esforço de tornar fértil o terreno daquilo que mais tarde
chamaríamos de ciência e dessa forma, buscamos também meios para interpretar a
vida, arando a terra para plantar o que depois chamaríamos de arte.
Olhando assim, a história
nos sugere que o conhecimento técnico se deu a princípio para o enfrentamento de
adversidades visando suprir as principais necessidades de nosso corpo, de nosso
meio e, por conseguinte, de nosso modo de vida.
O homem moderno, evoluído
e satisfeito com os resultados eficientes das invenções e descobertas
fundamentais para os vindouros avanços científicos a partir do século XVI, se
viu diante de uma necessidade ainda mais substancial e ambiciosa: ser feliz. E para supri-la, seria necessária
reinventar a si mesmo, mais forte em todos os sentidos.
Já não se trata mais
apenas de sobrevivência, mas sim de existência. Viver mais e melhor. O homem
necessita aí acima de tudo ser livre para conquistar seu próprio lugar no mundo
e tornar-se senhor de seu destino. No entanto, agora ele deve lidar com as mazelas
do novo mundo redescoberto, fundamentado na racionalidade.
Ora, como bem sabemos,
durante os séculos XVII e XVIII, difundiu-se largamente a crença na ciência
como o único meio de se chegar à verdade e ao progresso. No entanto, não demorou
tanto para que certa desconfiança no conhecimento científico encontrasse lugar
cativo já no século XIX, pois se por um lado os avanços da ciência ampliaram os
conceitos e a compreensão do mundo, por outro o ameaçava iminentemente. Ameaçava
também conceitos religiosos outrora inquestionáveis, o que colocou o homem
entre dois pontos aparentemente opostos: fé e razão. Não sendo possível
comprovar ou negar a existência efetiva de um Deus, deuses ou qualquer outro
pressuposto além do tempo e espaço através de métodos científicos, o homem se
vê mais uma vez frágil impotente na sua busca pela plenitude.
O filósofo Felipe Pondé,
ilustrando seu pensamento a cerca do “mal
estar” do homem com seu tempo, reflete que um dos motivos para angústia
humana é justamente estar entre saber
mais do que deve e menos do que gostaria.
Apesar de toda a evolução
técnica, ainda não conseguimos responder a questões fundamentais da existência
e não temos certezas se um dia teremos tal capacidade. Definitivamente não nos
tornamos humanos melhores por conta da tecnologia e certamente ela não
garantirá o futuro paradisíaco que se imaginou tempos atrás. E dificilmente
poderá oferecer o necessário para a experiência da vida plena, tão sonhada. No
máximo, poderá ser entendida como uma fonte indireta de satisfação através da capacidade
de compra de aparelhos e serviços, porém não por necessidade da tecnologia em
si, mas sim pela necessidade de consumo.
A revolução digital no
século XXI ampliou nossa capacidade de ouvir, ver, de capturar imagens, de nos
entreter, nos informar, nos divertir, etc., e assim inventamos uma infinidade de
novas necessidades. E é provável que a principal delas seja a obrigação de exposição
social como demonstração da capacidade de consumo como uma forma de inclusão,
adaptação e afirmação no espaço público. Mesmo porque, poucas ou nenhuma das
vantagens tecnológicas desenvolvidas para a utilização no nosso dia a dia,
configuram-se como “necessidades vitais”.
Mas satisfação existencial é. E é justamente focada nesta satisfação que a
indústria e a publicidade atuam, buscando poder de infiltração e manipulação num
mercado extremamente fértil, inventando e reinventando produtos e promessas de
satisfação e felicidade, acumulando gigantescas montanhas de inutilidades radioativas.
Sabemos hoje, após tantas
ilusões e falsas esperanças de vida plena, que o rastro do homem pelo planeta
não se limita a apenas milhares de anos dedicados ao controle e domínio da
natureza em prol de seu próprio bem – estar. Deixaremos também profundas e
talvez irreversíveis marcas de nossa frustração pelo fracasso que nos obriga
agora a uma imediata involução.
Em última análise, talvez
seja possível afirmar que hoje nossa missão consiste em efetuar reparos,
reparar danos, contabilizar os lucros e prejuízos... Arrumar a casa depois da festa
mal organizada.
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