Uma pausa para um cafezinho! Uma conversa à toa para desbanalizar o dia a dia... Um espaço e um momento solto no ar, preso no olhar inutilmente essencial.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Reinvenções de necessidades inventadas


Por Joe Cruz

Encontrar meios de tornar a vida mais fácil, prática e segura, provavelmente tem sido o grande motivo para o desenvolvimento técnico da humanidade desde seu surgimento. Essa constante busca por melhores condições de vida nos trouxe até aqui, tornando possível a superação dos muitos obstáculos impostos pela natureza.
Não há dúvidas de que os avanços técnicos na antiguidade garantiram ao homem um “lugar ao sol” no planeta, sobretudo através do aprimoramento de ferramentas inventadas a partir da madeira, da pedra e depois dos metais. 

Por meio dessas invenções, conquistamos a praticidade para lidar com um mundo hostil e perigoso. Vencemos dificuldades para preparar o terreno para o surgimento do que chamaríamos mais tarde de civilização.

Adiante no tempo, as necessidades humanas se modificaram e não só a luta pela sobrevivência ocupou o raciocínio e ação do homem, mas também a busca por sentido fez com que desenvolvêssemos meios para compreender melhor o mundo. Mais uma vez nos superamos no esforço de tornar fértil o terreno daquilo que mais tarde chamaríamos de ciência e dessa forma, buscamos também meios para interpretar a vida, arando a terra para plantar o que depois chamaríamos de arte.

Olhando assim, a história nos sugere que o conhecimento técnico se deu a princípio para o enfrentamento de adversidades visando suprir as principais necessidades de nosso corpo, de nosso meio e, por conseguinte, de nosso modo de vida.


O homem moderno, evoluído e satisfeito com os resultados eficientes das invenções e descobertas fundamentais para os vindouros avanços científicos a partir do século XVI, se viu diante de uma necessidade ainda mais substancial e ambiciosa: ser feliz. E para supri-la, seria necessária reinventar a si mesmo, mais forte em todos os sentidos.
Já não se trata mais apenas de sobrevivência, mas sim de existência. Viver mais e melhor. O homem necessita aí acima de tudo ser livre para conquistar seu próprio lugar no mundo e tornar-se senhor de seu destino. No entanto, agora ele deve lidar com as mazelas do novo mundo redescoberto, fundamentado na racionalidade.


Ora, como bem sabemos, durante os séculos XVII e XVIII, difundiu-se largamente a crença na ciência como o único meio de se chegar à verdade e ao progresso. No entanto, não demorou tanto para que certa desconfiança no conhecimento científico encontrasse lugar cativo já no século XIX, pois se por um lado os avanços da ciência ampliaram os conceitos e a compreensão do mundo, por outro o ameaçava iminentemente. Ameaçava também conceitos religiosos outrora inquestionáveis, o que colocou o homem entre dois pontos aparentemente opostos: fé e razão. Não sendo possível comprovar ou negar a existência efetiva de um Deus, deuses ou qualquer outro pressuposto além do tempo e espaço através de métodos científicos, o homem se vê mais uma vez frágil impotente na sua busca pela plenitude.

O filósofo Felipe Pondé, ilustrando seu pensamento a cerca do “mal estar” do homem com seu tempo, reflete que um dos motivos para angústia humana é justamente estar entre saber mais do que deve e menos do que gostaria.


Apesar de toda a evolução técnica, ainda não conseguimos responder a questões fundamentais da existência e não temos certezas se um dia teremos tal capacidade. Definitivamente não nos tornamos humanos melhores por conta da tecnologia e certamente ela não garantirá o futuro paradisíaco que se imaginou tempos atrás. E dificilmente poderá oferecer o necessário para a experiência da vida plena, tão sonhada. No máximo, poderá ser entendida como uma fonte indireta de satisfação através da capacidade de compra de aparelhos e serviços, porém não por necessidade da tecnologia em si, mas sim pela necessidade de consumo.


A revolução digital no século XXI ampliou nossa capacidade de ouvir, ver, de capturar imagens, de nos entreter, nos informar, nos divertir, etc., e assim inventamos uma infinidade de novas necessidades. E é provável que a principal delas seja a obrigação de exposição social como demonstração da capacidade de consumo como uma forma de inclusão, adaptação e afirmação no espaço público. Mesmo porque, poucas ou nenhuma das vantagens tecnológicas desenvolvidas para a utilização no nosso dia a dia, configuram-se como “necessidades vitais”. Mas satisfação existencial é. E é justamente focada nesta satisfação que a indústria e a publicidade atuam, buscando poder de infiltração e manipulação num mercado extremamente fértil, inventando e reinventando produtos e promessas de satisfação e felicidade, acumulando gigantescas montanhas de inutilidades radioativas.


Sabemos hoje, após tantas ilusões e falsas esperanças de vida plena, que o rastro do homem pelo planeta não se limita a apenas milhares de anos dedicados ao controle e domínio da natureza em prol de seu próprio bem – estar. Deixaremos também profundas e talvez irreversíveis marcas de nossa frustração pelo fracasso que nos obriga agora a uma imediata involução.
Em última análise, talvez seja possível afirmar que hoje nossa missão consiste em efetuar reparos, reparar danos, contabilizar os lucros e prejuízos... Arrumar a casa depois da festa mal organizada.  

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