Por Joe Cruz
Chegamos enfim à primeira
metade do primeiro mês do novo ano. A euforia supérflua dos últimos dias do
final do ano passado já perdeu seu gás até para os mais resistentes dos
eufóricos. O cotidiano maçante e repetitivo volta ao seu lugar de destaque na
vida da maioria das pessoas. E o que começa a ganhar forma é a mesma e
conhecida paisagem de dias que se esvaem incessantemente; folhas de calendários
que voam para o passado, amontoando-se novamente na linha do tempo.
Tal normalidade, não é de
se espantar, já começa a pôr em xeque algumas das promessas feitas naqueles
momentos de euforia.
É compreensível algum
devaneio nos finais de anos. Afinal, pausados das rotinas de trabalho,
embevecidos pelas luzes coloridas de natal, esmagados por abraços coletivos de
familiares e amigos bêbados, é natural encorajar-se para almejar viver um novo
ano dominados pela força do “mais”:
ler mais, amar mais, viajar mais, perdoar mais, exercitar-se mais, arriscar
mais... mais e mais! Mas aí começa o ano de verdade e esculhamba tudo! Fica
tudo abstrato demais.
Olhando deste ponto,
aquele otimismo inebriante e quase supersticioso de outrora não resiste por muito
tempo. Aqui é inevitável certo tom de desilusão, o que não é tão ruim assim,
pois desiludir-se nada mais é do que abandonar ou ser abandonado por alguma ilusão. Qualquer dicionário vai definir ilusão como engano dos sentidos, erro de
percepção, enfim, desiludir-se deveria ser algo positivo!
De qualquer maneira,
independentemente de quantas ou quais metas pessoais foram estipuladas para o novo
ano, o que as pessoas esperam conseguir é ser mais felizes do que no ano
anterior, ou pelo menos manter o nível das felicidades que conquistaram. A
grande promessa, portanto é ser feliz.
O problema é que cumprir
uma promessa dessas não é fácil e certamente depende muito mais de si próprio
do que de qualquer interferência externa que se possa acusar no caso de
fracasso. Aliás, é a iminente possibilidade de fracassar que parece ter se
tornado o pano de fundo da nossa maneira de atuar neste teatro improvisado da
busca pela felicidade. Um dia após o outro, uma nova meta a cada meta
alcançada, um novo futuro no lugar daquele que já não se vislumbra mais... Se
não dá pra ser feliz assim, que seja assado. E se não der de jeito nenhum, que
se invente um jeito! O importante é que se cumpra a promessa. A obrigação de estar (ou parecer) feliz o
tempo todo dá o tom dos dias atuais. E desconfio que não seja de hoje.
Nada contra gente que tenta parecer feliz o tempo todo,
mas prefiro gente de verdade. Gente que sabe o que faz e por que faz. Gente que
busca compreender suas ações e experiências diárias como o único meio de produzir
sentido em sua relação consigo e com o mundo. Gente que procura estabelecer a
coerência necessária entre as consequências de suas escolhas e a motivação de
seus atos decididos por si mesmo, não pela moda, propaganda, gurus e afins...
Gente que pensa por si mesmo e assume os riscos de tal ousadia.
Quem procura fazer sentido
em tudo que faz, sabe que é impossível parecer feliz o tempo todo, justamente
porque entende que a beleza da vida está na verdade daquilo que sente
genuinamente.
O raciocínio parece simples:
pessoas sentem-se mais satisfeitas com a vida quando fazem aquilo que tem
vontade de fazer. Ainda mais quando para tanto não encontram restrições de
nenhuma ordem que as impeçam de realizar tal proeza.
Vontade, habilidade e
liberdade de ação, estão aí os elementos básicos para a realização daquilo que
essencialmente é capaz de fornecer satisfação em viver. Acontece que sozinhos
não passam de alimentos crus sem cheiro, cor nem sabor. O tempero especial para
esses elementos é o que se pode chamar de “motivo”.
Ora, motivo nada mais é
que a razão de ser. É a alma da vontade. Encontrar os próprios motivos para
realizar aquilo que se deseja, sem dúvidas é o que oferece sentido as nossas
ações. O grande problema nisso tudo é que para identificar em si mesmo motivos
para realizar algo, vai depender também de algum conhecimento de si. E é aqui
onde as coisas se embaralham. Parece que não há mais tempo dentro de um ano para
conhecer a nós mesmos. E ficamos assim, criando desejos e tentando satisfazê-los.
Supomos conhecer nossas vontades,
mas temos dificuldades em compreender suas origens. Ainda mais hoje, com a
facilidade e hábito que adquirimos de observar modelos de todo tipo de vidas na
internet (facebook), televisão, cinema, etc... Já não se pode ter certeza se o
que queremos é fruto de nossa essência em conformidade com nossa personalidade
ou apenas desejos vazios motivados por alguma influência de modelos de
felicidade e sucesso.
De todo modo, a largada já
foi dada. Cruzar a linha de chegada ainda levará onze meses e meio. Temos tempo
para nos adaptar à corrida, pular obstáculos, cair, levantar, recuar, avançar, criar
estratégias de ultrapassagens... No entanto, não há melhor momento que este
para conhecermos o próprio corpo e reconhecer nele seus limites naturais.
Somente assim será possível poupar o fôlego necessário para terminar a corrida,
mesmo que, como diria Cazuza,“sem pódio de chegada ou beijo de
namorada”.
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