Uma pausa para um cafezinho! Uma conversa à toa para desbanalizar o dia a dia... Um espaço e um momento solto no ar, preso no olhar inutilmente essencial.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Como é que se diz "Eu te amo"?



Por Joe Cruz
Em uma de suas belas canções, Renato Russo aponta para uma questão importante para nosso tempo que é, afinal de contas, Hoje em dia como é que se diz 'Eu te Amo'?”. O trecho pertence ao refrão da canção “Vamos fazer um filme” que fala também em solidão, amor de verdade, liberdade para amar, etc e tal. Mas o que interessa aqui é procurar entender se de fato já não sabemos confessar sentir amor por alguém. Ou ainda pior, se somos mesmo capazes de identificar este sentimento dentre tantos outros.

Diante da presença de alguém que além de despertar desejo sexual, tenha sido capaz de nos oferecer aconchego, segurança e atenção, cujo o simples toque, o olhar, o som da voz parece ter o poder de nos desorientar; ao lado de alguém que parece fazer a vida acontecer cheia de cores e sentidos, é provável que muitos de nós tenha sentido a vontade quase irresistível de gritar com toda força dos pulmões: - Eu te amo! Mas como garantir que a sensação não seja apenas um reboliço passageiro, um devaneio causado pela carência, um prazeroso e inocente engano?
O escritor Oscar Wilde apimenta a questão afirmando que Amor é quando começamos por enganar a nós próprios e acabamos por enganar a outra pessoa”. O engano a que se refere Wilde, certamente é induzido pela vontade de amar e ser amado.
Há algo em nós que almeja o ápice dos sentimentos e buscamos nele os limites da razão e a intensificação desejos. Não há dúvidas de que tão ambiciosa busca, carrega em si um grande risco para amantes aspirantes: a desilusão.


Amor e sofrimento parecem andar juntos. Sofre-se por não conquistar o amor, sofre-se pelo medo de perder amor, sofre-se por já tê-lo perdido, sofre-se por não saber amar... O Jovem Werther de Goethe, bem sabe dos sofrimentos causados por sua alucinada paixão pela bela Charlotte. Aliás, este é sem dúvidas um excelente exemplo do amor idealizado, que cria novas expectativas a cada suspiro, que se alimenta de ilusões e definha em sua própria impossibilidade.
Talvez julguemos insanos aqueles que pautam seus planos de vida e suas esperanças de felicidade num sonho de amor pleno e verdadeiro, justamente pelo fato de que isso dependerá de outra pessoa. Pautar o próprio destino alinhando-o à crença no amor alheio, é atirar-se num abismo esperando que travesseiros de plumas amorteçam a queda. Acontece que eles podem não estar lá. E neste caso é bom que se tenha criado asas!


O curioso é que ainda assim nos dispomos à utopia do amor-perfeito. Há ainda os que são loucos para jurar amor até que a morte os separe (seja lá o que isso queira dizer) e acreditam na capacidade de passar o resto da vida amando a mesma pessoa. O problema é que definitivamente não vivemos em campo propício para isso e uma das razões é frouxidão dos laços que atualmente somos capazes. É provável que a maioria de nós reconheça o risco de permitir que uma paixão se transforme em amor. E talvez por isso somos uma geração que morre de medo do envolvimento, nos limitando a relações superficiais, qualificadas pela quantidade de prazeres obtidos delas.


Grosso modo, poderíamos dizer que a dificuldade da intensificação nos relacionamentos deve-se a velocidade dos acontecimentos da sociedade moderna, e nós no meio do furacão, não temos “saco” para algo que demanda tanto tempo, dedicação e atenção. Pressionados pelo sucesso, obcecados pelo futuro perfeito, não conseguimos parar para reparar em nossa delicada condição.


Nunca tivemos tanto receio da aproximação afetiva, nossas relações são cada vez mais plásticas e dependentes de ferramentas virtuais como Chats, e-mails, Redes Sociais e aplicativos para celulares. Nossa devoção por coisas parece suplantar nossa necessidade da entrega ao contato humano, e nossa tendência à inversões nos submete a coisificação de pessoas e a humanização de animais. Tornamos mercadoria tudo aquilo que supomos ter algum valor: vendemos ética, negociamos amizades, trocamos moral, e ao mínimo sinal de insatisfação, descartamos pessoas...
Engraçado é que banalizamos o amor ao mesmo tempo em que o desconhecemos. Muito já se falou sobre o amor, muitas histórias foram escritas, músicas foram compostas em sua homenagem, calhamaços teóricos foram pensados, até a ciência meteu o bedelho na tentativa de racionalizá-lo. No entanto, continuamos seus súditos, à mercê de seus caprichos, vítimas de sua loucura... Talvez hoje, estejamos menos preparados e mais medrosos para encará-lo do que em qualquer outra época. E, ao que parece, a vontade de dizer “Eu te amo”, para a grande maioria, ficará por algum tempo sufocada na incerteza da possibilidade de realmente senti-lo.

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