Por Joe Cruz
Admito, sou desses que se entregam fácil à lembranças. Que posso fazer? Os sabores das boas recordações me são mais caros e prazerosos que as angústias das aspirações para o futuro.
“É você que
ama o passado e não vê...”, como
diria Belchior.
Já me disseram que isso
tem a ver com o signo, Câncer, será?! Na verdade tanto faz... Aqui o que vale
mesmo é revisitar um bom momento e poder revivê-lo através da memória, enfeitar
a realidade com cores de fantasias para recriar a vida.
Eis que dia desses uma
dessas lembranças de infância insistia em ser recordada. Chegou de repente, forçando a entrada para entrar e ficar de vez na memória para nunca mais ser
esquecida. Me entreguei então àquele rápido e intenso prazer.
Uma cena simples: crianças
brincando num parque num fim de tarde ensolarado...
Havia próximo à estação
Tiradentes do metrô no centro de São Paulo, uma pequena praça em frente ao
batalhão da Polícia Militar no bairro Bom Retiro. Essa praça era coberta por um
imponente arvoredo, por onde penetravam raios de sol que iluminavam timidamente
os bancos de madeira, intensificando as cores fortes das gangorras, dos
balanços, do gira-gira, do trepa-trepa, do escorregador... Ali era onde nossa
vida (a minha e dos meus pequenos amigos) se potencializava, nos fazia maiores
que o mundo. Podíamos tudo: corríamos mais rápido que o Flash, voávamos mais
alto que o Super-Man, saltávamos tão alto ao ponto de quase encostar nas nuvens!
Não tínhamos mais que oito anos, mas era quando “o instante existe e a vida está
completa” como diria Cecília
Meireles. A vida era completa no fim do dia e no começo da vida.
Numa tarde daquelas, eu
corria incansavelmente de um lado para o outro numa divertida brincadeira de
pega-pega.
Lembro-me da presença de
um velho que estava confortavelmente acomodado num dos bancos coloridos da
praça. Usava um chapéu preto que lhe cobria os cabelos brancos, mas deixava bem
vivos seus olhos negros que acompanhavam atentos minhas corridas enquanto
passeavam pelas páginas de um jornal. “Quem lê tanta notícia?!” – Diria Caetano Veloso... Ali estava ele, entre
um jornal e umas crianças.
O caso é que tropecei na
frente do velho... Não chegando a cair totalmente, pus-me ligeiramente de pé,
já me aprontando para outra largada turbo.
Mas o velho chamou-me a atenção. Os velhos e suas manias. Diminuidores da
potência infantil. Parecem conservar certa inveja pela feliz inconsequência
juvenil!
- Menino – Disse ele
repousando com delicadeza o jornal sobre os joelhos. – Se não fizer um bom laço nos
cadarços, vai tropeçar, cair e se machucar. – É claro que não lhe dei
atenção. Primeiro porque era criança e minha mãe sempre me dizia para não falar
com velhos estranhos. Segundo porque eu ainda não havia aprendido a amarrar os
próprios cadarços.
Saí em disparada, dando de
ombros. Entre um tropeço e outro, ligado no turbo, entrelaçando as pernas finas, finalmente caí da forma mais humilhante possível, na frente do velho (de
novo!). O velho me encara e repara nos joelhos sangrando. “Batata!” – Como diria
Nelson Rodrigues.
Aguentando firme e
preservando a honra dos meninos de oito anos que caem, se machucam mas não
choram, tomei coragem e fui até ele. Sem dizer nem uma palavra, apoiei um dos
pés no banco onde ele estava sentado como se agora o mesmo me pertencesse e
apontei para o tênis desamarrado. – Não sabe dar laço nos
sapatos? – Ainda resistindo ao choro (não tanto pelos machucados como
por ainda não saber dar laços nos cadarços), balancei negativamente a cabeça.
Gentilmente, o velho com
um carinho paternal me consola. – Te ensino. Primeiro você junta as duas
pontas do cadarço, assim. Depois cruza os dois assim e passa um por baixo do
outro... assim. Agora pega o cordão deste lado, faz um círculo com ele...
assim. Depois, com cuidado, você faz a mesma coisa com o cordão do outro lado...
assim. Agora, com calma, você entrelaça os dois círculos, passa um por baixo do
outro, assim e... aperta. Pronto! Taí um belo laço! – Disse ele
sorrindo, como se fosse a coisa mais simples do mundo. – Agora você... Tenta!
Claro que na primeira
tentativa, não consegui mais do que um emaranhado de cadarço embolado. Mas com
algumas tentativas mais, a coisa tomou alguma forma.
O velho ainda teve
disposição para mais uma lição. A mais valiosa, sem dúvidas. Desamarrou meu
laço e me pediu para fazer novamente. – Você aprendeu a fazer um belo laço como qualquer
outra pessoa é capaz de fazer. Agora, se você quiser fazer um laço realmente
incrível, tem que aprender um segredo. Desamarrou os próprios cadarços,
iniciou os movimentos do laço comum e me pediu para ajudá-lo. Pediu para
pressionar meu dedo indicador esticado sobre o enlace dos cordões para que eles
não afrouxassem. Em seguida fez o laço com tal delicadeza e cuidado que parecia
uma mágica. Apertou o laço devagar enquanto sinalizava para que eu tirasse o
dedo do cordão. Ali estava um laço incrível!
Percebi ali mesmo do que
se tratava aquele laço, para além dos sapatos. – Somos agora bons Amigos - Com
um forte aperto de mãos nos despedimos para nunca mais nos encontrar.
Eis aqui amigos, onde as
boas lembranças demonstram seu real valor, pois são capazes de nos submeter a
ricas metáforas que a maturidade lentamente nos obriga a compreender.
Começamos aprendendo a
fazer laços nos próprios sapatos. E depois constatamos que é bom que se aprenda
também a fazer bons laços na vida.
A gente cresce e vira
gente grande. De passo em passo constrói um caminho, ou caminhos. Às vezes
vários ao mesmo tempo, um pra cada lado. Se perde, se encontra, se perde
novamente, não lembra mais o caminho que estava, depois acredita que não se
perdeu... Coisa de gente crescida. Algo como Renato Russo diria “Não sei onde
estou indo, só sei que não estou perdido”!
Mas de qualquer maneira, aprendemos
que, independente do caminho, importante mesmo é manter os passos firmes. E bom
para passos firmes, são laços bem apertados. Sapatos frouxos saem do pé e
atrapalham a andar, isso aprendemos cedo. Daí tentamos melhorar os laços a cada
passo para, quem sabe, arriscar até uma corridinha. “... indo, correndo buscar um
lugar no futuro”, como diria Paulinho da Viola.
Mesmo que não nos demos
conta dos inúmeros enlaces que fazemos durante a caminhada, ainda assim, é
somente através de nosso esforço em aprender a formá-los que tornamos possível
o deleite da beleza de um laço bem feito. Quase um enfeite!
Mas veja, digo aqui pelo
ato de nos propormos a aprender e não em saber de fato. Porque saber, ninguém
sabe mesmo. É mais ou menos como cantaria Almir Sater “Pensar só nos traz alegria,
saber já é outra questão”. Saber é outra questão. E uma questão bem
complicada por sinal justamente por se tratar de uma questão, em partes,
subjetiva. Por mais que nos empenhemos em construir relações intensas,
verdadeiras e honestas, ficamos sempre à mercê da outra parte, do outro cordão
por assim dizer. E se “... agora lá fora todo mundo é uma ilha”
como diz Humberto Gessinger, já não é mais suficiente aprender a
enlaçar apenas os próprios sapatos.
Não tem jeito, o enlaçar é
uma ação do plural até mesmo quando se acredita sermos singulares. Mesmo os
amantes da solidão, apesar da ausência de relacionamentos sociais, produzem
importantes laços com aquilo que lhes apraz, livros, filmes, coleções... sei
lá, mas o enlace está em processo. Pode-se dizer inclusive que esteja se
enlaçando em si mesmo, o que (se bem feito) é um grande privilégio.
O laço neste sentido é o
produto cujo a qualidade depende da intensidade do envolvimento das partes, que
por sua vez depende da sinceridade daquilo que define a ação. E isto pode ser
observado em variados tipos de “enlaces”.
O músico produz laços com a sua música e através disso, enlaça-se a uma
orquestra ou banda, etc. Um empresário produz laços com seus produtos e através
disso, enlaça-se a uma sociedade, empresa, etc... Um ator produz laços com seus
personagens e através disso enlaça-se a sua plateia. O namorado produz laços
com o desejo de amar e ser amado, e através disso enlaça-se a uma namorada (ou
duas, três, mais!).
Exemplos vão ao infinito,
mas não nos detenhamos neles.
É provável que aqui estejamos
preocupados ou interessados em saber se há uma forma ideal para se forma bons
laços, laços incríveis, como tentou
me ensinar aquele velho.
O velho havia dito que
laços incríveis são feitos com uma ajudinha, um auxílio, um dedo indicador esticado
pressionando a cruza dos cordões para que o laço fique firme e bonito.
Mas e na vida, quem é que
ensina? Quem é que garante que a lição esteja correta?
Não se sabe. É difícil
mesmo! Ainda mais se considerarmos que laços são feitos para durar algum tempo.
E em algum tempo as coisas mudam, nós mudamos, as pessoas mudam, tudo muda. Quem
é que ensina fazer um laço incrível
com a transformação, com o transitório, com o volúvel?
Talvez aquele velho
pudesse dizer que quem ensina é a vida... Seria um jargão. Aliás, “vida ensina” e “tempo tudo conserta” são jargões pra lá de batidos (e chatos).
Acredito que ele diria
algo diferente, do tipo: - Menino, Vida e Tempo são apenas duas
palavras curtas. Nós é que passamos por elas, atravessando por seus
significados, buscando oferecer-lhes algum sentido. Não ensinam nada... Como
poderiam ensinar, se nada sabem?
Eu lhe daria razão. Dispomos
do tempo que não se sabe exatamente a quantidade, buscando produzir sentidos
enquanto o atravessamos. Um passo depois
do outro, rumando para algum lugar que também não se sabe exatamente onde. A
isso chamamos Vida. Palavra.
E é natural que nos
esforcemos para seguir essa travessia pelo tempo interessados em aprender a
tonar a experiência o mais prazerosa possível, evitando as dores das quedas.
Para tanto, os laços incríveis devem
ter seu lugar neste curto tempo para que o laço com a vida possa carregar-se de
sentidos cada vez mais intensos e significativos. Perto do final, já não se
corre tanto, os risco de tropeços são menores, mas os laços aprendidos durante
a caminhada ficam todos guardados nalgum canto da memória.
Aquele velho já não corria
com as pernas, mas sim com a alma. Já tinha mais tempo vivido do que a viver, mas “carregava
um crepúsculo no olhar”, como diria Rubem Alves. E, sem
dúvidas, soube ensinar-me o que nunca soube.
E foi por isso que tentei
aqui produzir um laço com este texto com os dedos indicadores de todos os
citados para que através disso, forma-se um laço incrível com quem nos lê agora!
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