Uma pausa para um cafezinho! Uma conversa à toa para desbanalizar o dia a dia... Um espaço e um momento solto no ar, preso no olhar inutilmente essencial.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Como diria aquele velho... (um breve ensaio sobre o laço!)

Por Joe Cruz

Admito, sou desses que se entregam fácil à lembranças. Que posso fazer? Os sabores das boas recordações me são mais caros e prazerosos que as angústias das aspirações para o futuro.
“É você que ama o passado e não vê...”, como diria Belchior.
Já me disseram que isso tem a ver com o signo, Câncer, será?! Na verdade tanto faz... Aqui o que vale mesmo é revisitar um bom momento e poder revivê-lo através da memória, enfeitar a realidade com cores de fantasias para recriar a vida.
Eis que dia desses uma dessas lembranças de infância insistia em ser recordada. Chegou de repente, forçando a entrada para entrar e ficar de vez na memória para nunca mais ser esquecida. Me entreguei então àquele rápido e intenso prazer.
Uma cena simples: crianças brincando num parque num fim de tarde ensolarado...

Havia próximo à estação Tiradentes do metrô no centro de São Paulo, uma pequena praça em frente ao batalhão da Polícia Militar no bairro Bom Retiro. Essa praça era coberta por um imponente arvoredo, por onde penetravam raios de sol que iluminavam timidamente os bancos de madeira, intensificando as cores fortes das gangorras, dos balanços, do gira-gira, do trepa-trepa, do escorregador... Ali era onde nossa vida (a minha e dos meus pequenos amigos) se potencializava, nos fazia maiores que o mundo. Podíamos tudo: corríamos mais rápido que o Flash, voávamos mais alto que o Super-Man, saltávamos tão alto ao ponto de quase encostar nas nuvens! Não tínhamos mais que oito anos, mas era quando “o instante existe e a vida está completa” como diria Cecília Meireles. A vida era completa no fim do dia e no começo da vida.  

Numa tarde daquelas, eu corria incansavelmente de um lado para o outro numa divertida brincadeira de pega-pega. 
Lembro-me da presença de um velho que estava confortavelmente acomodado num dos bancos coloridos da praça. Usava um chapéu preto que lhe cobria os cabelos brancos, mas deixava bem vivos seus olhos negros que acompanhavam atentos minhas corridas enquanto passeavam pelas páginas de um jornal. “Quem lê tanta notícia?!” – Diria Caetano Veloso... Ali estava ele, entre um jornal e umas crianças.
O caso é que tropecei na frente do velho... Não chegando a cair totalmente, pus-me ligeiramente de pé, já me aprontando para outra largada turbo. Mas o velho chamou-me a atenção. Os velhos e suas manias. Diminuidores da potência infantil. Parecem conservar certa inveja pela feliz inconsequência juvenil!
- Menino – Disse ele repousando com delicadeza o jornal sobre os joelhos. – Se não fizer um bom laço nos cadarços, vai tropeçar, cair e se machucar. – É claro que não lhe dei atenção. Primeiro porque era criança e minha mãe sempre me dizia para não falar com velhos estranhos. Segundo porque eu ainda não havia aprendido a amarrar os próprios cadarços.
Saí em disparada, dando de ombros. Entre um tropeço e outro, ligado no turbo, entrelaçando as pernas finas, finalmente caí da forma mais humilhante possível, na frente do velho (de novo!). O velho me encara e repara nos joelhos sangrando. “Batata!” – Como diria Nelson Rodrigues.
Aguentando firme e preservando a honra dos meninos de oito anos que caem, se machucam mas não choram, tomei coragem e fui até ele. Sem dizer nem uma palavra, apoiei um dos pés no banco onde ele estava sentado como se agora o mesmo me pertencesse e apontei para o tênis desamarrado. – Não sabe dar laço nos sapatos? – Ainda resistindo ao choro (não tanto pelos machucados como por ainda não saber dar laços nos cadarços), balancei negativamente a cabeça.

Gentilmente, o velho com um carinho paternal me consola. – Te ensino. Primeiro você junta as duas pontas do cadarço, assim. Depois cruza os dois assim e passa um por baixo do outro... assim. Agora pega o cordão deste lado, faz um círculo com ele... assim. Depois, com cuidado, você faz a mesma coisa com o cordão do outro lado... assim. Agora, com calma, você entrelaça os dois círculos, passa um por baixo do outro, assim e... aperta. Pronto! Taí um belo laço! – Disse ele sorrindo, como se fosse a coisa mais simples do mundo. – Agora você... Tenta!
Claro que na primeira tentativa, não consegui mais do que um emaranhado de cadarço embolado. Mas com algumas tentativas mais, a coisa tomou alguma forma.
O velho ainda teve disposição para mais uma lição. A mais valiosa, sem dúvidas. Desamarrou meu laço e me pediu para fazer novamente. – Você aprendeu a fazer um belo laço como qualquer outra pessoa é capaz de fazer. Agora, se você quiser fazer um laço realmente incrível, tem que aprender um segredo. Desamarrou os próprios cadarços, iniciou os movimentos do laço comum e me pediu para ajudá-lo. Pediu para pressionar meu dedo indicador esticado sobre o enlace dos cordões para que eles não afrouxassem. Em seguida fez o laço com tal delicadeza e cuidado que parecia uma mágica. Apertou o laço devagar enquanto sinalizava para que eu tirasse o dedo do cordão. Ali estava um laço incrível!
Percebi ali mesmo do que se tratava aquele laço, para além dos sapatos. – Somos agora bons Amigos - Com um forte aperto de mãos nos despedimos para nunca mais nos encontrar.

Eis aqui amigos, onde as boas lembranças demonstram seu real valor, pois são capazes de nos submeter a ricas metáforas que a maturidade lentamente nos obriga a compreender.
Começamos aprendendo a fazer laços nos próprios sapatos. E depois constatamos que é bom que se aprenda também a fazer bons laços na vida.
A gente cresce e vira gente grande. De passo em passo constrói um caminho, ou caminhos. Às vezes vários ao mesmo tempo, um pra cada lado. Se perde, se encontra, se perde novamente, não lembra mais o caminho que estava, depois acredita que não se perdeu... Coisa de gente crescida. Algo como Renato Russo diria “Não sei onde estou indo, só sei que não estou perdido”!
Mas de qualquer maneira, aprendemos que, independente do caminho, importante mesmo é manter os passos firmes. E bom para passos firmes, são laços bem apertados. Sapatos frouxos saem do pé e atrapalham a andar, isso aprendemos cedo. Daí tentamos melhorar os laços a cada passo para, quem sabe, arriscar até uma corridinha. “... indo, correndo buscar um lugar no futuro”, como diria Paulinho da Viola.

Mesmo que não nos demos conta dos inúmeros enlaces que fazemos durante a caminhada, ainda assim, é somente através de nosso esforço em aprender a formá-los que tornamos possível o deleite da beleza de um laço bem feito. Quase um enfeite!
Mas veja, digo aqui pelo ato de nos propormos a aprender e não em saber de fato. Porque saber, ninguém sabe mesmo. É mais ou menos como cantaria Almir Sater “Pensar só nos traz alegria, saber já é outra questão”. Saber é outra questão. E uma questão bem complicada por sinal justamente por se tratar de uma questão, em partes, subjetiva. Por mais que nos empenhemos em construir relações intensas, verdadeiras e honestas, ficamos sempre à mercê da outra parte, do outro cordão por assim dizer. E se “... agora lá fora todo mundo é uma ilha” como diz Humberto Gessinger, já não é mais suficiente aprender a enlaçar apenas os próprios sapatos.

Não tem jeito, o enlaçar é uma ação do plural até mesmo quando se acredita sermos singulares. Mesmo os amantes da solidão, apesar da ausência de relacionamentos sociais, produzem importantes laços com aquilo que lhes apraz, livros, filmes, coleções... sei lá, mas o enlace está em processo. Pode-se dizer inclusive que esteja se enlaçando em si mesmo, o que (se bem feito) é um grande privilégio.

O laço neste sentido é o produto cujo a qualidade depende da intensidade do envolvimento das partes, que por sua vez depende da sinceridade daquilo que define a ação. E isto pode ser observado em variados tipos de “enlaces”. O músico produz laços com a sua música e através disso, enlaça-se a uma orquestra ou banda, etc. Um empresário produz laços com seus produtos e através disso, enlaça-se a uma sociedade, empresa, etc... Um ator produz laços com seus personagens e através disso enlaça-se a sua plateia. O namorado produz laços com o desejo de amar e ser amado, e através disso enlaça-se a uma namorada (ou duas, três, mais!).
Exemplos vão ao infinito, mas não nos detenhamos neles.

É provável que aqui estejamos preocupados ou interessados em saber se há uma forma ideal para se forma bons laços, laços incríveis, como tentou me ensinar aquele velho.
O velho havia dito que laços incríveis são feitos com uma ajudinha, um auxílio, um dedo indicador esticado pressionando a cruza dos cordões para que o laço fique firme e bonito.
Mas e na vida, quem é que ensina? Quem é que garante que a lição esteja correta?
Não se sabe. É difícil mesmo! Ainda mais se considerarmos que laços são feitos para durar algum tempo. E em algum tempo as coisas mudam, nós mudamos, as pessoas mudam, tudo muda. Quem é que ensina fazer um laço incrível com a transformação, com o transitório, com o volúvel?
Talvez aquele velho pudesse dizer que quem ensina é a vida... Seria um jargão. Aliás, “vida ensina” e “tempo tudo conserta” são jargões pra lá de batidos (e chatos).
Acredito que ele diria algo diferente, do tipo: - Menino, Vida e Tempo são apenas duas palavras curtas. Nós é que passamos por elas, atravessando por seus significados, buscando oferecer-lhes algum sentido. Não ensinam nada... Como poderiam ensinar, se nada sabem?
Eu lhe daria razão. Dispomos do tempo que não se sabe exatamente a quantidade, buscando produzir sentidos enquanto o atravessamos.  Um passo depois do outro, rumando para algum lugar que também não se sabe exatamente onde. A isso chamamos Vida. Palavra.
E é natural que nos esforcemos para seguir essa travessia pelo tempo interessados em aprender a tonar a experiência o mais prazerosa possível, evitando as dores das quedas. Para tanto, os laços incríveis devem ter seu lugar neste curto tempo para que o laço com a vida possa carregar-se de sentidos cada vez mais intensos e significativos. Perto do final, já não se corre tanto, os risco de tropeços são menores, mas os laços aprendidos durante a caminhada ficam todos guardados nalgum canto da memória.


Aquele velho já não corria com as pernas, mas sim com a alma. Já tinha mais tempo vivido do que a viver, mas “carregava um crepúsculo no olhar”, como diria Rubem Alves. E, sem dúvidas, soube ensinar-me o que nunca soube.


E foi por isso que tentei aqui produzir um laço com este texto com os dedos indicadores de todos os citados para que através disso, forma-se um laço incrível com quem nos lê agora!

Um comentário:

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