"Penso, logo..."
Por Joe Cruz
Pensar
é algo natural para todo ser humano. É a capacidade humana por
excelência que nos diferencia e nos caracteriza. Além da forma
física - principal diferença entre os homens concedida pela
natureza - há a distinção do conteúdo do pensamento que, entre
outras coisas, se relaciona necessariamente com sua cultura e época.
No entanto, apesar deste dado fundamental, é importante analisarmos
a legitimidade do que se pensa, ou seja, é possível afirmar se algo
vale ou não o esforço do pensamento? Ou ainda, o que determina a
qualidade do pensamento: o ser pensante, o objeto pensado, as
condições para tal atividade? Etc. Ainda mais, o que ou quem pode
garantir o sucesso das conclusões fornecida pelo exercício do
pensamento? Naturalmente para cada uma dessas perguntas, há uma
análise diferente e para cada resposta, sem dúvidas, uma nova
pergunta, o que torna esta capacidade natural um ciclo interminável
de questões de infinitas possibilidades e desdobramentos que, de
certa forma, nos ultrapassa enquanto apenas seres vivos. Com
isso, poderíamos concluir apressadamente que questionar a existência
e a validade do pensamento, seja de fato um grande privilégio,
ou pelo menos, alguma vantagem que a natureza tenha nos concedido,
sabe-se lá como ou porquê. Ainda assim, conforme podemos observar
gratuitamente em nosso cotidiano, questões de tais ordem não são
pensadas por todo ser pensante. Sendo possível afirmar o contrário,
isto é, são questões normalmente evitadas, nos fazendo acreditar
que são elas destinadas a um grupo especifico de pessoas.
E
isto me leva à questão motivadora deste texto: O que pensam os
pensadores?
Talvez
aqui caiba uma rápida observação sobre a diferenciação das
palavras “Pensante” (que podemos designá-la como: ser que
pensa, que questiona, que reflete, argumenta e tal...); e “Pensador”
(que se pode entender como indivíduo dotado de capacidade particular
de abordar questões específicas; filósofo; aquele capaz de
elaborar complexas teorias a partir de minuciosa reflexão, etc...).
Ora, esta sútil diferença das palavras e suas possíveis
definições, naturalmente diferencia também os humanos em pelo
menos - e a princípio - em duas classes: os que pensam pelo simples
e mecânico movimento de sua natureza, carregados pela vigência da
época em que vivem e pela força do coletivo, do social; e a outra
parte, a dos que pensam justamente o “contraponto” dessa
vigência, aqueles que resistem ao mecanismo da ação vazia, que
buscam através do esforço do pensamento a força para a
contracorrente. Tal esforço, naturalmente, propicia mergulhos cada
vez mais profundos no mar de questões relevantes à vida humana de
maneira geral.
Aqui
é importante que se diga que tal contraposição não
necessariamente é o ponto de partida para a reflexão dos chamados
“pensadores”, principalmente porque a própria vigência
do agir mecânico coletivo foi anteriormente minuciosamente pensada
por alguém, no entanto não como análise crítica ou posicionamento
racional ante as amarras e complicações da vida, mas sim e
sobretudo, em função da dominação das massas através da cultura.
Domínio aliás que somente se faz possível devido à uniformidade
do pensamento de uma sociedade.
O
que pretendo explicar com isso então é que, ao contrário do que se
costuma dizer, há sem dúvidas questões relevantes bem elaboradas
no que se refere à cultura de massa. E apenas se contrapor a elas,
não evidencia sinal de intelectualidade.
Neste
sentido, talvez podemos imaginar mais claramente as duas posições
mencionadas anteriormente, isto é, alguns (poucos) como pensadores
que direcionam
a sociedade a determinado
“destino” que
varia de acordo com interesses. E outros (muitos) como
pensados, isto é, direcionados.
Considerando
tais pontos, é possível constatar que a vida em sociedade é
pensada. E caso o indivíduo
não seja suficientemente perspicaz para pensar e agir no meio por
si mesmo, certamente alguém
o fará em seu lugar.
Diante
de tal afirmação, fica
evidente que existem questões dadas a todo ser pensante incluído
numa sociedade que devem ser pensadas dentro do contexto social.
Assuntos que variam entre a melhor maneira de gastar o próprio
dinheiro ou o direito de não
frequentar nenhuma
instituição religiosa ou a
que mais lhe
convém, estão no primeiro
plano deste tipo de
abordagem. A novela das oito, o campeonato de futebol, a vida do
vizinho, o emprego, o
candidato a cargos políticos, o
futuro dos filhos, etc, estão ligados diretamente ao cotidiano e por
tanto, ligados à vida diária. É com este plano que se esgota
o interesse de pensar da
grande maioria das pessoas. Mas para alguns, é pouco, muito pouco.
Para estes são necessárias outras questões, questões que
ultrapassem tais medidas.
Por
algum motivo que talvez consigamos esclarecer no desenrolar das
linhas adiante, a sociedade moderna atribui um valor exacerbado para
questões voltadas às atividades práticas, no sentido da ação
utilitária no meio social. Possuir “utilidade” dentro da
sociedade equivale a possuir identidade, ter uma marca que
caracteriza, que distingue por tanto, que define. Sendo assim, aquilo
que não apresenta determinada utilidade ou funcionalidade declarada
socialmente, não será entendido como algo fundamental para a vida
cotidiana. Neste sentido, a atividade que não objetiva a
funcionalidade social poderá, por comparação, ser entendida como
inútil. Claro que esta noção está ligada ao mundo do trabalho
e se desenvolve desde a tenra idade, quando a criança é posta
diante da obrigação de dedicar tempo e atenção às atividades que
lhe retribuirão algo como certo reconhecimento no final
das contas (da vida). Com efeito, isso pode se configurar como o
próprio sentido da vida. (Acredito que aqui não seja necessário
analisar sobre as evidentes complicações atribuídas a esta “visão”
de mundo, visto que é este hoje o sentido corrente, por tanto
mecânico, que a sociedade segue e o que não nos faltam são
exemplos de fácil compreensão a este respeito).
Se
é assim, naturalmente o exercício do pensar se restringe ao espaço
da técnica, voltado à especificações, o que faz com que o
pensamento se fragmente e por consequência determine qual
importância terá assuntos que se encontram fora do campo
específico.
Aqui,
a característica do desenvolvimento do pensar é a formulação de
conceitos que atribuem à determinada área do conhecimento sua
fundamental distinção das outras áreas. O especialista em
cálculos, por exemplo, por uma questão prática, pode não
considerar o conhecimento em artes necessário para a finalidade de
suas atividades.
Temos
portanto, a partir deste exemplo, pelos menos dois exercícios
do pensamento: um lógico e outro estético. E claro, grosso modo,
poderíamos classificar outros e separá-los por categorias como:
histórico, biológico, psicológico, etc...
Tal
conclusão, se estiver correta, nos coloca diante de outra questão
importante: se é possível considerar que existam diferentes
“modelos” para o exercício do pensamento e que tais
modelos podem limitar a linha de raciocínio a determinada área do
conhecimento, é preciso saber se há, para além da especialidade ou
da técnica, o pensamento de interesse comum a todo ser pensante em
igual proporção.
Somos
agora obrigados a nos limitar a um único assunto ao qual podemos
considerá-lo o ponto mais alto do pensamento, de modo a atingir, por
sua relevância, todas as camadas de seres pensantes indistintamente.
Provavelmente, o resultado desta ambiciosa limitação nos levara à
compreensão não somente sobre o que pensam os pensadores e os
pensantes, mas também (e mais importante) para que pensam? Isto
é, qual é o objetivo de pensar o que se pensa e, através do
pensamento, agir como se age?
Num
primeiro momento, talvez todos concordemos que o assunto com tal
relevância e características só pode ser a Vida. Afinal de
contas, sem vida não se pode pensar (em nada), nem tampouco agir!
Ainda assim, avançando um passo, podemos verificar que o pensamento
em certa medida, pretende transcendê-la, procurando oferecer a ela
sentidos e significados que ultrapassam a consciência da
“simplicidade” do movimento de apenas “Ser Vivo”,
em outras palavras: viver não basta, é preciso que haja o esforço
do pensamento e - por consequência - , da ação para que as
limitações óbvias da realidade sejam suplantadas. Para que se
valha da vantagem de ter consciência, o ser pensante busca antes de
qualquer coisa, o viver satisfatoriamente.
Apesar
da aparente obviedade desta premissa, devemos aqui reconhecer toda a
complexidade advinda de suas possíveis abordagens. A começar pela
definição. Embora compreendamos que viver bem ou satisfatoriamente
seja a motivação e o objetivo do exercício do pensamento para
qualquer classe de seres pensantes, independendo de sua área de
atividade social ou grau de instrução, é necessário ainda saber
se é possível definir o que é a Vida boa. E assim
sendo, como vivê-la. Eis aqui, a meu ver, onde podemos localizar o
divisor de águas. É aqui onde os cursos se dividem para percorrerem
caminhos diferentes, cada qual buscando a realização do mesmo
destino e a seu modo.
As
questões a partir de então estarão expostas à capacidade e
sensibilidade daquele que pensa afim de que os esclarecimentos das
respostas de que necessita e a compreensão dos caminhos que levam
até elas, estejam cada vez mais próximos da satisfação de gozar
sua própria existência.
Não
há dúvidas de que neste infinito mar de possibilidades, somos todos
barcos que se movimentam de acordo com o balanço das águas que nos
sustentam. Porém, nossos movimentos são diferenciados pelas
ferramentas que dispomos e buscamos. Enquanto uns velejam tranquilos
usando apenas remos, outros são levados pelo impulso dos ventos em
suas velas içadas. Outros ainda, precisam de motores para saírem do
lugar.
Portanto,
podemos dizer que questões relacionada à existência são dadas a
todo ser que pensa, no entanto não as pensamos com o mesmo
interesse. E é este “como” pensar que diferencia os pensantes
dos pensadores.
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