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terça-feira, 29 de julho de 2014

"Penso, logo..."


"Penso, logo..."

Por Joe Cruz

Pensar é algo natural para todo ser humano. É a capacidade humana por excelência que nos diferencia e nos caracteriza. Além da forma física - principal diferença entre os homens concedida pela natureza - há a distinção do conteúdo do pensamento que, entre outras coisas, se relaciona necessariamente com sua cultura e época. No entanto, apesar deste dado fundamental, é importante analisarmos a legitimidade do que se pensa, ou seja, é possível afirmar se algo vale ou não o esforço do pensamento? Ou ainda, o que determina a qualidade do pensamento: o ser pensante, o objeto pensado, as condições para tal atividade? Etc. Ainda mais, o que ou quem pode garantir o sucesso das conclusões fornecida pelo exercício do pensamento? Naturalmente para cada uma dessas perguntas, há uma análise diferente e para cada resposta, sem dúvidas, uma nova pergunta, o que torna esta capacidade natural um ciclo interminável de questões de infinitas possibilidades e desdobramentos que, de certa forma, nos ultrapassa enquanto apenas seres vivos. Com isso, poderíamos concluir apressadamente que questionar a existência e a validade do pensamento, seja de fato um grande privilégio, ou pelo menos, alguma vantagem que a natureza tenha nos concedido, sabe-se lá como ou porquê. Ainda assim, conforme podemos observar gratuitamente em nosso cotidiano, questões de tais ordem não são pensadas por todo ser pensante. Sendo possível afirmar o contrário, isto é, são questões normalmente evitadas, nos fazendo acreditar que são elas destinadas a um grupo especifico de pessoas.
E isto me leva à questão motivadora deste texto: O que pensam os pensadores?

Talvez aqui caiba uma rápida observação sobre a diferenciação das palavras “Pensante” (que podemos designá-la como: ser que pensa, que questiona, que reflete, argumenta e tal...); e “Pensador” (que se pode entender como indivíduo dotado de capacidade particular de abordar questões específicas; filósofo; aquele capaz de elaborar complexas teorias a partir de minuciosa reflexão, etc...). Ora, esta sútil diferença das palavras e suas possíveis definições, naturalmente diferencia também os humanos em pelo menos - e a princípio - em duas classes: os que pensam pelo simples e mecânico movimento de sua natureza, carregados pela vigência da época em que vivem e pela força do coletivo, do social; e a outra parte, a dos que pensam justamente o “contraponto” dessa vigência, aqueles que resistem ao mecanismo da ação vazia, que buscam através do esforço do pensamento a força para a contracorrente. Tal esforço, naturalmente, propicia mergulhos cada vez mais profundos no mar de questões relevantes à vida humana de maneira geral.



Aqui é importante que se diga que tal contraposição não necessariamente é o ponto de partida para a reflexão dos chamados “pensadores”, principalmente porque a própria vigência do agir mecânico coletivo foi anteriormente minuciosamente pensada por alguém, no entanto não como análise crítica ou posicionamento racional ante as amarras e complicações da vida, mas sim e sobretudo, em função da dominação das massas através da cultura. Domínio aliás que somente se faz possível devido à uniformidade do pensamento de uma sociedade.
O que pretendo explicar com isso então é que, ao contrário do que se costuma dizer, há sem dúvidas questões relevantes bem elaboradas no que se refere à cultura de massa. E apenas se contrapor a elas, não evidencia sinal de intelectualidade.

Neste sentido, talvez podemos imaginar mais claramente as duas posições mencionadas anteriormente, isto é, alguns (poucos) como pensadores que direcionam a sociedade a determinado “destino” que varia de acordo com interesses. E outros (muitos) como pensados, isto é, direcionados.

Considerando tais pontos, é possível constatar que a vida em sociedade é pensada. E caso o indivíduo não seja suficientemente perspicaz para pensar e agir no meio por si mesmo, certamente alguém o fará em seu lugar.
Diante de tal afirmação, fica evidente que existem questões dadas a todo ser pensante incluído numa sociedade que devem ser pensadas dentro do contexto social. Assuntos que variam entre a melhor maneira de gastar o próprio dinheiro ou o direito de não frequentar nenhuma instituição religiosa ou a que mais lhe convém, estão no primeiro plano deste tipo de abordagem. A novela das oito, o campeonato de futebol, a vida do vizinho, o emprego, o candidato a cargos políticos, o futuro dos filhos, etc, estão ligados diretamente ao cotidiano e por tanto, ligados à vida diária. É com este plano que se esgota o interesse de pensar da grande maioria das pessoas. Mas para alguns, é pouco, muito pouco. Para estes são necessárias outras questões, questões que ultrapassem tais medidas.



Por algum motivo que talvez consigamos esclarecer no desenrolar das linhas adiante, a sociedade moderna atribui um valor exacerbado para questões voltadas às atividades práticas, no sentido da ação utilitária no meio social. Possuir “utilidade” dentro da sociedade equivale a possuir identidade, ter uma marca que caracteriza, que distingue por tanto, que define. Sendo assim, aquilo que não apresenta determinada utilidade ou funcionalidade declarada socialmente, não será entendido como algo fundamental para a vida cotidiana. Neste sentido, a atividade que não objetiva a funcionalidade social poderá, por comparação, ser entendida como inútil. Claro que esta noção está ligada ao mundo do trabalho e se desenvolve desde a tenra idade, quando a criança é posta diante da obrigação de dedicar tempo e atenção às atividades que lhe retribuirão algo como certo reconhecimento no final das contas (da vida). Com efeito, isso pode se configurar como o próprio sentido da vida. (Acredito que aqui não seja necessário analisar sobre as evidentes complicações atribuídas a esta “visão” de mundo, visto que é este hoje o sentido corrente, por tanto mecânico, que a sociedade segue e o que não nos faltam são exemplos de fácil compreensão a este respeito).

Se é assim, naturalmente o exercício do pensar se restringe ao espaço da técnica, voltado à especificações, o que faz com que o pensamento se fragmente e por consequência determine qual importância terá assuntos que se encontram fora do campo específico.
Aqui, a característica do desenvolvimento do pensar é a formulação de conceitos que atribuem à determinada área do conhecimento sua fundamental distinção das outras áreas. O especialista em cálculos, por exemplo, por uma questão prática, pode não considerar o conhecimento em artes necessário para a finalidade de suas atividades.
Temos portanto, a partir deste exemplo, pelos menos dois exercícios do pensamento: um lógico e outro estético. E claro, grosso modo, poderíamos classificar outros e separá-los por categorias como: histórico, biológico, psicológico, etc...

Tal conclusão, se estiver correta, nos coloca diante de outra questão importante: se é possível considerar que existam diferentes “modelos” para o exercício do pensamento e que tais modelos podem limitar a linha de raciocínio a determinada área do conhecimento, é preciso saber se há, para além da especialidade ou da técnica, o pensamento de interesse comum a todo ser pensante em igual proporção.

Somos agora obrigados a nos limitar a um único assunto ao qual podemos considerá-lo o ponto mais alto do pensamento, de modo a atingir, por sua relevância, todas as camadas de seres pensantes indistintamente. Provavelmente, o resultado desta ambiciosa limitação nos levara à compreensão não somente sobre o que pensam os pensadores e os pensantes, mas também (e mais importante) para que pensam? Isto é, qual é o objetivo de pensar o que se pensa e, através do pensamento, agir como se age?



Num primeiro momento, talvez todos concordemos que o assunto com tal relevância e características só pode ser a Vida. Afinal de contas, sem vida não se pode pensar (em nada), nem tampouco agir! Ainda assim, avançando um passo, podemos verificar que o pensamento em certa medida, pretende transcendê-la, procurando oferecer a ela sentidos e significados que ultrapassam a consciência da “simplicidade” do movimento de apenas “Ser Vivo”, em outras palavras: viver não basta, é preciso que haja o esforço do pensamento e - por consequência - , da ação para que as limitações óbvias da realidade sejam suplantadas. Para que se valha da vantagem de ter consciência, o ser pensante busca antes de qualquer coisa, o viver satisfatoriamente.

Apesar da aparente obviedade desta premissa, devemos aqui reconhecer toda a complexidade advinda de suas possíveis abordagens. A começar pela definição. Embora compreendamos que viver bem ou satisfatoriamente seja a motivação e o objetivo do exercício do pensamento para qualquer classe de seres pensantes, independendo de sua área de atividade social ou grau de instrução, é necessário ainda saber se é possível definir o que é a Vida boa. E assim sendo, como vivê-la. Eis aqui, a meu ver, onde podemos localizar o divisor de águas. É aqui onde os cursos se dividem para percorrerem caminhos diferentes, cada qual buscando a realização do mesmo destino e a seu modo.
As questões a partir de então estarão expostas à capacidade e sensibilidade daquele que pensa afim de que os esclarecimentos das respostas de que necessita e a compreensão dos caminhos que levam até elas, estejam cada vez mais próximos da satisfação de gozar sua própria existência.

Não há dúvidas de que neste infinito mar de possibilidades, somos todos barcos que se movimentam de acordo com o balanço das águas que nos sustentam. Porém, nossos movimentos são diferenciados pelas ferramentas que dispomos e buscamos. Enquanto uns velejam tranquilos usando apenas remos, outros são levados pelo impulso dos ventos em suas velas içadas. Outros ainda, precisam de motores para saírem do lugar.
Portanto, podemos dizer que questões relacionada à existência são dadas a todo ser que pensa, no entanto não as pensamos com o mesmo interesse. E é este “como” pensar que diferencia os pensantes dos pensadores.


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